quinta-feira, 12 de maio de 2016

Rotina de um adolescente homeschooler

Nesta semana recebemos uma mensagem no facebook de uma leitora do blog que disse estar interessada em começar o Homeschooling com seu filho no ano que vem. O filho dela cursa o Ensino Fundamental II e, por isso, ela nos pediu para relatarmos nossa experiência e rotina, a fim de ajudá-la nesse árduo processo inicial onde a maioria se sente mais perdida que cego em tiroteio.

Eu fiquei um tempão escrevendo uma resposta para ela quando me dei conta que nunca havia contado aqui no blog nossa experiência na prática. Como pode ajudar a muitos, resolvi escrever aqui um breve relato de como fizemos e fazemos aqui em casa.

Como a maioria de nossos leitores sabem, tiramos nosso filho do colégio neste ano. Na escola ele estaria cursando o oitavo ano do ensino fundamental II. Mas, desde o ano passado, já começamos a mudar a rotina aqui em casa, a fim de ir nos preparando para este ano. Isso foi de fundamental importância.

Começamos diminuindo a televisão, o vídeo-game e introduzindo a leitura. A princípio foi difícil, mas também nos educamos para ajudá-lo. Passamos a não ligar mais a TV como antes e a ler perto dele para incentivá-lo. Impressionante como os filhos só dão valor a alguma coisa quando percebem que também damos valor àquilo. É como dizem: as palavras podem até convencer, mas o exemplo arrasta. Portanto, para praticar a Educação Domiciliar é fundamental ter consciência que a vida da família toda deve mudar. 

No início fixamos um horário de leitura para ele todos os dias. Era pouco tempo, mas depois fomos aumentando. Também passei a auxiliá-lo na realização das tarefas de casa e a acompanhar de perto o que ele estava vendo na escola. Nossa relação foi se estreitando e, com o passar do tempo, comecei a complementar seus estudos em casa. Assim, pude ir treinando e ele se acostumando com a mãe professora e com a nova forma de aprendizado. Isso também fez com que eu descobrisse muitas mentiras e absurdos contidos nos livros didáticos adotados pela escola. Eu explicava isso a ele e demonstrava o correto. Aos poucos, e a medida que ia assimilando, ele mesmo passou a desprezar o ensino que recebia na escola.


Com o passar do ano seu gosto pela leitura foi aumentando e sua relação com os estudos melhorou bastante: antes ele tinha aversão à frase "vai estudar", mas depois que passamos a sentar com ele e estudar junto, a explicar os conteúdos e mostrar o quanto estudar pode ser algo interessante, quiçá prazeroso, ele mesmo passou a dar muito mais valor ao aprendizado.

O fato de termos adotado esse "período de transição" fez com que o processo de mudança para a Educação Domiciliar integral se desse de forma natural. Quando chegamos no final do ano letivo, ele mesmo nos pediu para sair da escola e estudar em casa, pois percebeu que desta forma aprendia muito mais. Além do que, a escola passou a ser um lugar chato quando comparada à forma como conduzíamos os estudos em casa. No caso do nosso filho, vale ressaltar também que já havia um tempo que ele andava muito insatisfeito com a escola. Ele se queixava muito de seus professores e colegas. Como estudava em um colégio elitizado, para ele as meninas eram muito "mimadas" e os meninos "uns otários". Além dos professores serem "mal humorados" e "sem educação", como ele costumava dizer.

Outra coisa que melhorou muito foi sua saúde. No ano passado ele sofria com vômitos e diarreias pelo menos umas 3 vezes por mês, sempre durante as aulas. E o coordenador sempre me ligava para ir buscá-lo. A aversão que as crianças têm à escola é tão grande que muitas passam mal por estarem lá ou mesmo fingem que estão doentes como um ato de desesperado para fugir daquela tortura. Engraçado que neste ano ele ainda não passou mal nenhuma vez! (rs).

Então, como não poderia deixar de ser, depois de muitas pesquisas e estudos sobre a educação domiciliar, bem como depois de mais de seis meses de "treinamento", sentimo-nos, finalmente, preparados para tirar nosso filho da escola. Esse processo que antecede à decisão definitiva é muitíssimo importante, pois não basta simplesmente ir lá e tirar da escola. Temos que estar conscientes de nossa escolha e adquirir prévio conhecimento sobre a Educação Domiciliar. Não basta lermos blogs e ouvirmos das famílias que educam seus filhos em casa que é legal. Temos que estar convictos de que esta é definitivamente a melhor opção para nossos filhos. Também é importante estudarmos, pois seremos bastante questionados quanto à nossa decisão. E como convencer alguém de algo se nem nós mesmos estamos totalmente convencidos? Também é importante saber que essa escolha requer sacrifícios e que, portanto, se não estivermos dispostos ou prontos para nos sacrificar por amor aos nossos filhos, definitivamente não estamos prontos para dar esse passo.

Passado, portanto, esse primeiro momento, e quando finalmente tiramos nosso filho da escola para adotarmos a Educação Domiciliar integral, antes de mais nada, paramos para nos perguntar qual o TIPO de educação, afinal, almejávamos proporcionar a ele. Sobre isso recomendamos a leitura desse post aqui.

Vencidas, então, estas primeiras etapas, chegou finalmente o momento de decidir qual o método iríamos utilizar. Nas nossas pesquisas descobrimos que, assim como existem várias filosofias ou escolas de pensamento que são adotadas pelas instituições de ensino Brasil a fora, existe, também, uma variedade de métodos utilizados pelas famílias que praticam a Educação Domiciliar.



Algumas abordagens do Homeschooling


Diante de tudo que estudamos, nossa vontade era adotar o Método Clássico, mas por circunstâncias alheias à nossa vontade, optamos por algo que poderíamos classificar como Método Eclético, onde trabalhamos a abordagem tradicional (conteúdo ministrado nas escolas) com o clássico!

Escolhido o método, é hora de preparar um bom currículo e ir atrás de material. No Brasil, ainda enfrentamos muitas dificuldades nesse ponto. Em países como os Estados Unidos, por exemplo, existem uma infinidade de opções e de materiais prontos que podem ser adquiridos pelos pais homeschoolers. Tem para todos os tipos e gostos. Algumas famílias brasileiras fluentes em inglês optam por importar esses materiais. Mas, como sabemos que essa não é a realidade da maioria, as dificuldades só aumentam.



Para aqueles que optam pelo método tradicional, uma opção é comprar os livros didáticos referentes ao ano que seu filho estaria cursando na escola e segui-los (quem quiser saber quais são as diretrizes atuais do MEC para a educação básica - ensino fundamental e médio - clique aqui). Sei de famílias que optam por adquirir todo o material adotado por alguma escola renomada, de sua preferência, por exemplo, e assim vão seguindo os conteúdos dos livros didáticos ao longo do ano e se sentem muito satisfeitas com os resultados, já que o diferencial fica por conta da criança ser educada pela própria mãe - a qual conhece como ninguém as necessidades de seu filho - e de forma individualizada, o que proporciona a participação ativa da criança nos estudos, já que ela se sente livre para fazer perguntas e tirar dúvidas, o que normalmente não acontece no contexto de sala de aula, onde a maioria dos alunos têm vergonha e até mesmo medo de se exporem e serem ridicularizados pelos seus colegas.

Mas, independente do método escolhido, a verdade é que muitos pais bem intencionados travam quando chegam nessa parte de montagem do currículo e da seleção dos materiais que serão utilizados. No meu caso, como eu havia passado meses pesquisando e estudando o assunto, acabei descobrindo muita coisa legal e, com o tempo, fui criando pastas e mais pastas em meu computador, as quais estão recheadas de dicas de material. Essa parte de pesquisas é um processo importante que todos os pais que decidem educar seus filhos em casa devem passar. Ficar sentado na cadeira esperando que as coisas caiam do céu não leva ninguém a lugar nenhum e só mostra que os pais precisam, antes de pensar em educar seus filhos, se auto-educarem. Claro que nesse processo de pesquisas obtive ajuda de muitas outras famílias que me deram dicas preciosas. Mas ninguém me entregou um currículo pronto. Isso eu mesma fui montando.

Hoje em dia no Brasil existem diversos blogs sobre educação domiciliar, os quais estão recheados de dicas. Alguns deles vocês podem encontrar linkados aqui na parte lateral do nosso blog. Eu mesma passei meses lendo cada um deles. Há alguns, inclusive, nos quais voltei três anos e li TODOS os posts. Criei pastas por faixa etária e hoje tenho indicações de tudo quanto é coisa para ser feito desde o ventre materno. Isso mesmo. Desde o momento que descobrimos que estamos grávidas já existem indicações do que ler para nossa barriga! rs. E todo esse processo, além de fundamental importância, é muito rico e esclarecedor. E nos deixa cada vez mais seguras também.

Você pode estar aí pensando que não tem tanto tempo disponível para ler tudo isso. Eu também não tinha. A verdade é que eu levei quase um ano para fazer isso, mas eu havia feito o firme propósito de pesquisar o máximo que eu conseguisse antes de começar a praticar. Então, todos os dias eu usava o tempo livre que tinha para ler alguma coisa relacionada ao Homeschooling. Por isso acho que tudo depende da nossa força de vontade.

Mas, apesar de muito importante essa fase de pesquisas, se você realmente não tem como fazer isso e quer ir direto ao ponto e otimizar sua preparação, recomendo que façam o curso "Homeschooling 1.0" da Camila Abadie, do blog Encontrando Alegria. Além de abordar a história do Homeschooling, as metodologias e questões jurídicas, a aula 05 do curso é só sobre seleção de materiais. A Camila fica mais de duas horas indicando materiais que podem ser usados desde o nascimento do bebê. É uma verdadeira pérola! Mas para quem tem filho adolescente como eu e precisa partir desse ponto, apesar das dicas preciosas que ela dá para essa faixa etária, não há muita opção de material, vez que sua filha mais velha ainda está com 11 anos de idade.

O meu filho tem 13 anos e como havíamos decidido não deixar de dar o conteúdo que ele veria na escola, eu decidi comprar um material pronto, referente ao oitavo ano do ensino fundamental, o mesmo que seria utilizado na escola que ele estudava anteriormente. Eu já conhecia o material e, apesar de saber que ele continha uma certa carga de doutrinação ideológica (qual não tem?), devido a minha experiência no ano anterior, eu já sabia como contornar essa situação. A intenção era usar esse material mais como um norte a seguir e paralelamente ir suprindo suas falhas e carências com os diversos outros materiais que eu havia selecionado, bem como com outras ferramentas que eu também julgava eficazes.

Usei as férias de janeiro desse ano para fazer o plano anual de estudos do meu filho e para preparar tudo. Decidi que teríamos 41 semanas de aulas, então peguei o calendário de 2016 e separei 22 semanas no primeiro semestre e 19 no segundo. Normalmente é assim que as escolas fazem, então eu só copiei a ideia. Depois eu fui no índice dos livros que adotei e distribuí todo o conteúdo ao longo dessas semanas. Neste sentido, antes de começarmos o ano letivo, eu já sabia exatamente o que ele ia estudar em casa semana. Depois fiz uma lista de bons livros que ele deveria ler ao longo do ano como literatura obrigatória, além dos livros literários que íamos usar como auxiliares em nossos estudos. Essa lista eu fiz baseada em indicações de outras famílias homeschoolers para a faixa etária dele.

No que se refere à educação Clássica, apesar de não a termos adotado por completo, nós incrementamos alguns de seus princípios nos estudos do Victor Hugo. Para isso, fizemos o curso "A Formação Literária da Criança" e "Introdução a 'Os Lusíadas'", ambos do professor Rafael Falcón, onde tivemos uma base de como educar por meio de clássicos da literatura. Assim, meu filho tem uma aula específica para estudar o livro "Os Lusíadas" de Camões, além de aulas de Latim na Schola Classica com o professor Clistenes Fernandes, conforme eu contei neste post.

A verdade é que trabalhar o método clássico ao mesmo tempo que damos as matérias da escola nos fez perceber a riqueza que deixamos de oferecer a nosso filho quando o obrigamos a seguir livros didáticos. A vontade que temos é de jogar esses livros no lixo e mergulhar completamente no ensino clássico. Mas, prometemos que não deixaríamos de trabalhar com ele o conteúdo da escola, por isso vamos manter nossa promessa e continuar passando o que ele estaria vendo se estivesse matriculado em uma instituição de ensino. No nosso caso, não podemos abrir mão disso porque essa condição nos foi imposta para que pudéssemos educá-lo em casa, mas se vocês tem total autonomia na vida de seus filhos e ambos os pais estão de acordo, indicamos o método clássico de ensino de forma total e integral.



Uma das ferramentas que tem nos ajudado, e muito, na educação do nosso filho é o Kumon. Lá ele tem aulas de matemática, português e inglês. Para quem não sabe, o Kumon é uma metodologia que visa incentivar a criança a ter autonomia nos estudos e sua grande inovação está no fato de ensinar o aluno a se tornar confiante e capaz de enfrentar sozinho o desafio da conquista do conhecimento. O objetivo é desenvolver a autoconfiança, o interesse em estudar e aprender por si. Em quatro meses de Kumon as diferenças no meu filho são gritantes.



Quanto à nossa rotina de estudos, escolhi o período da manhã para nossas aulas. Acordo meu filho entre 07h e 07h30 da manhã. Tomamos café em família e depois que meu marido sai para o trabalho a gente começa. Antes de tudo, lemos o Santo do Dia e fazemos uma pequena reflexão sobre sua vida. Depois fazemos uma oração e começamos. As aulas são sempre muito produtivas e muitas vezes parece até um bate papo, pois meu filho é muito participativo. Ele faz mil perguntas e questiona absolutamente tudo. Muitas vezes não dou a resposta de cara, mas vou o conduzindo de maneria a ajudá-lo a encontrar a resposta por si mesmo. Uma vez ele me disse que nunca havia feito sequer uma pergunta em sala de aula porque tinha vergonha. Mas como estamos em casa, só nós dois, então ele não tem vergonha nenhuma e deixa que sua curiosidade nata o mova. Participando ativamente dessa forma, ele grava o conteúdo com muita naturalidade.

Antes de terminarmos a aula sempre passo exercícios de fixação. É quando o deixo sozinho pesquisando, a fim de encontrar as respostas. Como já mencionei acima, gosto de usar outras ferramentas que também ajudam muito, tais como documentários, filmes, linha do tempo, jogos, passeios e até viagens. Algumas vezes peço que ele descreva em forma de narração ou dissertação o que estudou no dia. Outras usamos a leitura de livros literários como forma de complementar os estudos.



O período da tarde é reservado para seus exercícios diários do Kumon, sendo que na terça e quinta ele tem aula presencial na unidade. Também há um horário pré-fixado para a leitura diária. E nas segundas, quartas e sextas, além do já mencionado, ele tem escolinha de futebol.

Meu filho NÃO é são-paulino, mas essa é a escolinha mais perto de casa

Ele pede para deixar claro que é CORINTHIANO

Já no período noturno, após as 18h, nas segundas e quartas ele tem aulas de violão em casa mesmo, com um professor particular. Nas quintas ele tem "Celebração da Palavra" com sua Comunidade na nossa Paróquia. E nas sextas ele tem catequese de Crisma.

E por mais que não pareça, todos os dias ele desfruta de tempo livre, que ele costuma preencher de diversas formas. Há dias que ele gosta de descer para jogar bola com os garotos do condomínio. Há dias que ele fica praticando violão. Outros dias que ele fica imerso em seu quebra-cabeça de duas mil peças. Também há momentos que ele engata uma leitura por livre e espontânea vontade. Algumas vezes, ele fica o tempo todo desenhando. Há dias que ele me pede para ir à sorveteria com os amigos. E há dias que eu libero o Netflix. Esse último eu tento controlar ao máximo porque ele é meio viciado em séries, tais como "The Walking Dead", "Supernatural", "Arrow", "Breaking Bad", e afins. E se eu não controlo, ele é que não vai controlar!

Praticando

Outro ponto importante nesse processo de aprendizado são as obrigações domésticas. Meu filho tem algumas tarefas que são diárias, como arrumar sua cama, jogar o lixo fora, estender as roupas e lavar louça. Mas isso não o impede de me ajudar quando preciso, como ir ao supermercado/padaria quando peço, guardar as compras, ajudar com o almoço, etc. Essa parte também é muito importante e não pode ser negligenciada de jeito nenhum.

Meu filho lavando louça

Por fim, o que posso dizer a todos vocês que pensam em começar a praticar a Educação Domiciliar é que, na prática, as coisas são muito mais simples do que parecem ser. E que, por mais que a gente planeje minuciosamente como as coisas serão, elas sempre mudam, e para melhor. É impressionante como vamos ganhando confiança e nos adaptando com o tempo, e como as coisas começam a fluir naturalmente. Também impressiona como nossos filhos mudam o relacionamento com os estudos e naturalmente vão levando as coisas mais a sério e se tornando cada vez mais responsáveis e autodidatas.

Estamos há apenas quatro meses estudando em casa e muita coisa já mudou. Seriam necessários vários outros posts para contar tudo para vocês. Inclusive quero deixar registrado aqui que nossa ausência no blog é justamente porque andamos meio atarefados colocando as coisas em prática. A minha rotina mudou completamente e ando bastante atarefada. Além das coisas de casa e da educação do Victor, eu e meu marido também temos muitas obrigações em nossa comunidade paroquial, o que demanda muito de nosso tempo, com a graça de Deus. E digo isto porque quero deixar claro a todos que não importa o quanto a pessoa se ache ocupada ou o quanto se ache incapaz. No final das contas, podemos resumir tudo em uma única palavra: VONTADE. Com um pouco de organização e planejamento e muita oração, vamos longe! Temos que nos perguntar: o que é mais importante para nós: a educação de nossos filhos ou nossos momentos de descanso e lazer? O que queremos com a educação de nossos filhos: dar a eles um diploma ou conhecimento? Qual conhecimento queremos oferecer aos nossos filhos: aquele que dá dinheiro ou aquele que o leva a Deus? Responder a essas perguntas é fundamental para a preparação para a Educação Domiciliar.   

Por que estudar Latim?

Dia desses postei no facebook uma foto do meu filho estudando Latim. Aproveitei a oportunidade e falei um pouco sobre os benefícios de estudar esta língua. Foi o post que mais repercutiu até hoje em nossa página, com 73 compartilhamentos até o fechamento desta matéria! (rs)

Tendo em vista o enorme interesse pelo tema, resolvi trazer o post aqui para o blog para aqueles que não tiveram a oportunidade de ver tal publicação. Segue bis in idem:


"Àqueles que me questionaram o porquê de estudar Latim, segue abaixo alguns pequenos trechos do Livro The Well-Trained Mind: A Guide to Classical Education at Home onde a autora explica a importância do ensino do Latim para as crianças:

'Por que se importar com o Latim? Trata-se, afinal, de uma 'língua morta' (expressão pejorativa); não há literatura sendo produzida nela, ninguém a fala ou faz negócios por meio dela. Nós nos importamos por uma série de razões.
O latim treina a mente para pensar de modo ordenado. A língua latina (já que está morta) é o idioma mais sistemático à nossa disposição. A disciplina de coordenar desinências e organizar a sintaxe (formas gramaticais) segundo conjuntos de regras é o equivalente mental de correr três quilômetros por dia. E, uma vez que o latim exige precisão, a mente latinizada acostuma-se a prestar atenção a detalhes – hábito que compensará especialmente quando for estudar matemática e ciências.
O latim melhora a habilidade no inglês. A estrutura gramatical do inglês é baseada no latim, bem como cerca de 50% do vocabulário inglês. O aluno que entende como o latim funciona raramente será confundido por uma sintaxe inglesa mais complexa ou por palavras inglesas obscuras.
O latim prepara a criança para o estudo de outras línguas estrangeiras: francês, espanhol e italiano são todas aparentadas com o latim. Mesmo línguas não-latinas podem ser aprendidas mais facilmente se o latim já tiver sido estudado. A criança que já foi provada na sintaxe latina entende os conceitos de concordância, flexões nominais, conjugações verbais e gênero gramatical, não importa em que língua esses conceitos venham a aparecer.' (Tradução: Rafael Falcón)

E, abaixo, um trecho de um post feito por Camila Abadie no blog Encontrando Alegria:

'Mas para quem permanece sem entender direito o motivo pelo qual decidimos oferecer o estudo do latim aos nossos filhos, listo aqui algumas das muitas vantagens que a língua de Cícero oferece:
- O estudo do latim facilita o aprendizado de praticamente qualquer outra língua que o tenha em sua raiz (o espanhol, o francês, o italiano, o romeno). Vale notar que grande parte do que há de melhor em literatura encontra-se em língua francesa;
- Por sua própria estruturação, o aprendizado do latim facilita a organização do pensamento, da fala e, consequentemente, também da escrita. Estudar latim é quase metade do caminho para o estudo da lógica;
- Possibilita o acesso, em primeiríssima mão, a obras, textos e documentos históricos sobre os quais a civilização ocidental foi erigida. Ou seja, minha filha poderá apropriar-se de verdade do que há de melhor no legado dos antigos, sem depender de comentadores e intérpretes nem sempre confiáveis;
- Restaurar, ao menos no plano individual, a antiga qualidade da educação brasileira. Sim, há menos de um século era possível encontrar pessoas que sabiam latim (e ainda um outro idioma, geralmente o francês) e que haviam recebido uma educação comum, acessível a todos (ou à maioria);
- Livre acesso aos textos, documentos, hinos e canções da nossa fé, a fé cristã, que ainda hoje vale-se do latim para expressar-se, transmitir-se e adorar a Deus.'

Por fim, segue uma foto do meu filho em sua aula na Schola Classica com o professor Clístenes Hafner Fernandes:






sexta-feira, 1 de abril de 2016

A nossa tarefa é formar adultos, não crianças!

No último post falamos da importante missão que nós, pais, temos ao educarmos nossos filhos. Sobre esse importante tema, James B. Stenson faz um alerta em seu livro "Enquanto ainda é Tempo...". Ele afirma que crianças mal formadas entram na vida adulta como homens e mulheres egocêntricos, impulsionados por apetites e paixões, obcecados pela ânsia de dominar os outros. Embora talvez venham a ter bons empregos e a receber bons salários, a sua vida pessoal estará arruinada. Não estarão preparados para o casamento nem para assumir outras responsabilidades sérias, e muitas vezes verão os seus lares desfeitos e os filhos fora de controle.

Para Stenson, os lares onde os filhos tornam-se mais velhos, mas nunca chegam a tornar-se adultos, são aqueles em que os pais só estavam preocupados em manter as crianças ocupadas com diversões e acreditavam que a passagem do tempo de alguma maneira as transformaria em adultos responsáveis. Por isso, só as corrigiam na medida em que era imprescindível para manter os estragos em um nível que se pudesse tolerar e buscavam, acima de tudo, a paz e a quietude - ou seja, um mínimo de aborrecimentos.

Ocorre que, pais desorientados que criam os filhos dessa forma muitas vezes vêem-se a braços com a desilusão e a tristeza, sendo comum os filhos tornarem-se narcisistas que não se importam nem com os pais nem com os seus próprios filhos - se é que chegam a tê-los. 

Essas tristes observações, porém, permitem delinear com clareza o papel dos pais, a tarefa que Deus chamou cada um de nós a desempenhar. Definitivamente não fomos chamados a transformar a vida de nossos filhos numa série infindável de sensações agradáveis, num anseio contínuo por novos prazeres e por mais poder. A tarefa que Deus nos confiou é passar por muitos anos de esforço e sacrifícios para fazer de nossos filhos adultos competentes, responsáveis e comprometidos por toda a vida, custe o que custar, com os princípios cristãos.

Em outras palavras, a nossa tarefa é formar adultos, não crianças. A nossa missão consiste em formar o caráter de modo a propiciar na mente, no coração e na vontade de nossos filhos as condições para que eles possam ter consciência clara e correta do bem e do mal e que tenham forças para agir de acordo com suas consciências. Devemos trabalhar por esse fim todos os dias da nossas vidas, sem descanso, e considerá-lo a maior responsabilidade da nossa existência.

Portanto, como pais cristãos convictos de nossa missão, devemos auxiliar na formação do caráter de nossos filhos. Stenson afirma que caráter é a soma total de bons hábitos formados na mente e na vontade dos jovens, sendo esses bons hábitos chamados de virtudes. Assim ele descreve as SETE virtudes cristãs básicas, a fim de nos ajudar a ter em mente o que realmente devemos buscar quando estamos educando nossos filhos. São elas:



- FÉ: confiança em Deus e em tudo aquilo que Ele nos ensina através da sua Igreja, incluindo o que nos revela sobre a finalidade da vida humana, isto é, que Ele nos criou para que o conheçamos, amemos e sirvamos aqui na terra e depois sejamos felizes com Ele para sempre no céu;

- ESPERANÇA: a certeza de que Deus cuida de nós como um Pai amoroso e que, portanto, nada temos a temer: Ele há de ajudar-nos a superar os grandes desafios da vida e dar-nos-á os meios para a  nossa salvação eterna;

- CARIDADE: o amor a Deus sobre todas as coisas, sejam quais forem, e o amor aos outros por Ele; a consciência de que todos - cada um de nós - somos filhos de Deus e de que o servimos servindo os outros, os nossos irmãos e irmãs da grande família humana;

- OBJETIVIDADE e CONSCIÊNCIA (PRUDÊNCIA): raciocinar corretamente sobre as pessoas, os acontecimento e nós mesmos; a capacidade de fazer as grandes distinções na vida: saber distinguir o verdadeiro do falso, o bom do mau, o belo e nobre do esquálido e feio;

- RESPONSABILIDADE (JUSTIÇA): a capacidade de reconhecer e respeitar os direitos dos outros; o senso de obrigação para com o bem-estar e a felicidade dos outros; a disposição de aceitar as consequências das decisões livres que se tomam, incluídos os erros;

- PERSEVERANÇA CORAJOSA (FORTALEZA): a decisão e a capacidade de superar ou suportar problemas sem procurar escapatórias; e o poder de suportar as dificuldades, mesmo a falta de conforto físico e a dor, e de recomeçar depois dos fracassos e frustrações;

- AUTODOMÍNIO (TEMPERANÇA): a capacidade de dizer "não" a si mesmo, ou seja, de deixar a gratificação dos apetites para mais tarde ou mesmo prescindir dela; a força para superar as paixões e os apetites; o hábito de desfrutar das coisas boas da vida com moderação.

Em resumo, pode-se dizer que este é o caráter cristão que todos nós devemos almejar. É algo real, que qualquer um de nós pode e deve atingir e deveríamos querer que se forme na alma de nossos filhos. 



quinta-feira, 3 de março de 2016

A Missão dos Pais


Na sua infinita Sabedoria e Amor, Deus chamou cada um de nós a desempenhar uma determinada missão aqui na terra, uma missão que contribuiu de forma misteriosa para o seu grandioso designo de Redenção da humanidade. Ao mesmo tempo, chamou todos os seres humanos – cada um de nós - à vida eterna, à felicidade sem fim com Ele, a uma alegria e paz que ultrapassam infinitamente os nossos sonhos mais ambiciosos, à felicidade arrebatadora de uns filhos que por fim estarão unidos, já para sempre, com o seu Pai e nosso Pai. (James B. Stenson)

Quando uma família decide finalmente pelo Homeschooling, a primeira pergunta que vem à mente, juntamente com um frio na barriga, costuma ser “E agora? Por onde começo?”. Acreditamos que o primeiríssimo ponto, antes mesmo de se pensar em métodos, currículos e materiais didáticos, é perguntarmo-nos qual o “tipo” de educação almejamos proporcionar a nossos filhos. Por sua vez, para discernir o tipo de educação ideal, temos que ter clareza do fim da educação de nossos filhos. É necessário perguntar-nos: para qual fim estou educando meus filhos? Essa parece ser uma indagação idiota, mas sua resposta é importantíssima não só para escolher como educaremos nossos filhos, mas para mostrar a nós, pais, se estamos vivendo de acordo com os grandes objetivos de nossa própria vida.

Se perguntarmos aos pais o motivo pelo qual seus filhos vão à escola, creio que a maioria responderá que é para garantir um bom futuro profissional. Alguns poucos responderão que querem que seus filhos sejam inteligentes e cultos, e raríssimos aqueles que responderão que querem que seus filhos tenham amor ao conhecimento, à verdade e que, por meio dos estudos, aproximem-se de Deus. Em geral as pessoas pensam que a escola serve apenas para dar instrução técnica aos seus filhos, cabendo aos pais a educação na fé. Mas qual é o fim último de ser um bom profissional? Ganhar dinheiro? Ter uma vida abastada e tranquila? Enquanto cristãos, como respondemos a essa pergunta? A instrução escolar e suas recompensas materiais não podem ser um fim em si mesmas.

Educamos nossos filhos para este mundo ou para vida eterna? 

Foram essas reflexões que fizemos antes de montar uma grade curricular para nosso filho. Chegamos à conclusão que tanto a educação moral quanto a instrução técnica devem ter um único fim último: o Céu! Criamos nossos filhos para a santidade. Portanto, ficaremos mais felizes e realizados vendo-o como um simples trabalhador braçal, porém santo, do que como neurocirurgião ateu ou um empresário milionário escravo do mundo. O Código de Direito Canônico é claro e objetivo ao afirmar que os pais participam de modo especial na santificação dos homens também por meio da educação dos filhos: 

Também os demais fiéis, ao participarem ativamente, a seu modo, nas celebrações litúrgicas, sobre tudo na eucarística, têm uma parte que lhes é própria no múnus santificador; de modo peculiar participam neste múnus os pais, vivendo em espírito cristão a vida conjugal e cuidando da educação cristã dos filhos. (Cân. 835)

Mas há quem argumente que não devemos criar nossos filhos para serem profissionalmente bem sucedidos e ganharem dinheiro, tampouco para fazer deles crentes, mas para serem felizes. O problema nesse caso está na definição de felicidade. Para boa parte dessas pessoas, ser feliz é fazer o que gosta, satisfazer os desejos, ser livre para gastar seu tempo como quiser. Mas, para os cristãos, a felicidade é o inverso de tudo isso: é amar, doar-se, reprimir nossos desejos para fazer o bem e livremente restringir nossa própria liberdade para o bem de outrem. Apesar dessa ser uma visão aparentemente paradoxal, os dados empíricos evidenciam sua veracidade: os países com maiores taxas de suicídios, divórcio e depressão são exatamente os que proporcionam maior bem estar social, maior desenvolvimento econômico, melhor qualidade educacional e maior liberdade individual. Peguemos como exemplo os países nórdicos europeus. Lá a maioria não tem mais o peso de criar uma família, são solteiros, livres para viverem suas próprias vidas. Lá eles são cultos e poliglotas. Lá eles podem escolher qualquer profissão, pois todas lhes darão o sustento necessário. Lá as pessoas se suicidam como em nenhum lugar do mundo. Portanto, não é o dinheiro, nem a liberdade, nem o conhecimento que nos faz felizes. Alguns descrentes já percebem isso e buscam a felicidade nas ações de caridade, em trabalhos para ONGs etc. Mas, ainda assim, essa busca de felicidade no amor ao próximo não faz sentido algum se não for um espelho do amor de Deus. Um jovem que é fortalecido na fé e nos sacramentos, terá maiores condições de amar o próximo e assim encontrar a felicidade do que alguém que o faz por simples compaixão. Aliás, a própria compaixão ocorre em nossa consciência de modo muito mais forte se somos guiados pelo Espírito Santo. Portanto, para nossos filhos serem felizes, eles devem ter a felicidade como consequência de um fim maior, não como um fim em si mesma.

Por conseguinte, o objetivo final da educação que damos a nosso filho é levá-lo a Deus, fazê-lo santo. Para isso, temos que ensinar-lhe as virtudes cristãs, introduzi-lo em uma vida de fé, motivá-lo a contemplar a beleza e a conhecer Deus também por meio dos estudos. Uma pessoa com uma boa formação intelectual, com um imaginário bem trabalhado, com o conhecimento profundo da língua, com capacidade de raciocínio lógico bem desenvolvida e com retórica bem trabalhada possui condições para chegar ao conhecimento da Verdade também por meio da razão. Portanto, não podemos separar a formação intelectual da formação moral e espiritual. Descuidar de uma delas será prejudicial às outras. Lembro-me aqui que, em Confissões, Santo Agostinho relata que sua inteligência deu um enorme salto após sua conversão, pois a verdadeira sabedoria vem do Espírito Santo.

Tudo isso para dizer que a escolha da metodologia, material didático e montagem do currículo do nosso filho neste ano foi uma decisão por uma instrução que o ajudasse a crescer na fé também por meio dos estudos. Estamos ainda engatinhando, a cada dia descobrindo algo novo e gradativamente entendendo mais como nosso filho aprende melhor, o que mais detém sua atenção e o que mais o dispersa.

Com poucas palavras, James B. Stenson, em seu livro "Enquanto ainda é Tempo... A formação moral e religiosa dos filhos", faz-nos um alerta urgente sobre o qual todo pai cristão que se preocupa com a educação dos filhos deve refletir seriamente e honestamente. A verdade contida nas palavras de Stenson é o que nos anima a sacrificar nossos desejos e planos para educar nosso filho. Aqui está o pavimento sobre o qual queremos construir a formação intelectual, moral e espiritual de nosso garoto e dos demais filhos que o Senhor nos confiar:

Deus chama cada um de nós a ser santo. E chama também você, atual ou futuro pai ou mãe de família, a desempenhar uma missão especial. Confiou a si e a seu amado cônjuge os filhos, os frutos do amor que têm um pelo outro e do amor que Deus tem pela sua família.
(...)
Desde toda a eternidade, o Senhor quis que você o servisse levando os seus filhos a amá-lo e servi-lo com todo o coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as forças (Mc 12, 30), de forma que tanto eles como você recebam a vida eterna e o cem por um de felicidade aqui na terra que Cristo prometeu a todos aqueles que o amarem.
(...)
É por isso que Deus trouxe você a este mundo e lhe enviou os seus filhos. A sua missão é assegurar-lhes a felicidade terrena e eterna, e você não terá autêntica paz ou alegria enquanto não abraçar esta missão como a sua maior responsabilidade, superando-se a si mesmo no seu cumprimento. Mas se a abraçar, se realmente amar a Deus e os seus filhos até sacrificar-se por eles, tal como Jesus Cristo fez e ensinou (At 1, 1), a sua felicidade nunca conhecerá fim.
(...)
Os nossos filhos existirão por toda a eternidade – em um dos dois estados possíveis: o da felicidade eterna com Deus no céu, ou o da tristeza e sofrimento eterno no inferno. Os nossos filhos viverão e morrerão livremente na amizade de Deus, ou afastar-se-ão livremente do seu amor durante esta vida, para depois sofrerem a segunda morte por toda a eternidade. Nós, como pais amorosos, não deveríamos nunca perder de vista esta temível possibilidade. O inferno existe. O inferno existe, e as suas forças malignas dirigem-se contra a alma dos nossos filhos. O Salvador preveniu-nos repetidamente acerca desta realidade; só nos Evangelhos, fê-lo mais uma dúzia de vezes. Preveniu-nos a cada uma de nós – e a todos – acerca do terrível destino que aguarda aqueles que rejeitam o seu amor e o seu perdão. 
 

No entanto, há aqueles que afirmam que essas ideias de inferno, de penas eternas, são conversas de fanáticos religiosos, que Deus é misericordiosos e que basta um bom coração para ir ao céu. Mas quem nos alerta por primeiro sobre o inferno é nosso senhor Jesus Cristo. Além disso, a Doutrina da Igreja é clara quanto a esse grande perigo, conforme nos ensina o Catecismo da Igreja Católica:

1034. Jesus fala muitas vezes da «gehena», do «fogo que não se apaga», reservada aos que recusam, até ao fim da vida, acreditar e converter-se, e na qual podem perder-se, ao mesmo tempo, a alma e o corpo. Jesus anuncia, em termos muitos severos, que «enviará os seus anjos que tirarão do seu Reino [...] todos os que praticaram a iniquidade, e hão de lançá-los na fornalha ardente» (Mt 13, 41-42), e sobre eles pronunciará a sentença: «afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno» (Mt 25, 41).

1035. A doutrina da Igreja afirma a existência do Inferno e a sua eternidade. As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem imediatamente, após a morte, aos infernos, onde sofrem as penas do Inferno, «o fogo eterno». A principal pena do inferno consiste na separação eterna de Deus, o único em Quem o homem pode ter a vida e a felicidade para que foi criado e a que aspira.


Notem a seriedade de nossa missão! Nós, como pais, temos a obrigação de conduzir nossos filhos à vida eterna na Glória de Deus. O melhor de tudo é que o cumprimento desse nosso dever não somente nos preparará, juntamente com nossos filhos, para o Céu, mas também nos dará a felicidade aqui nesta vida.  

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Pequena retrospectiva e demasiadas expectativas

Um novo ano começa e vislumbramos muito trabalho pela frente!

O ano passado foi certamente um marco em nossas vidas e a melhor palavra para defini-lo é “mudança”. Foi em 2015 que nosso casamento “tomou forma” e nossos laços familiares também. Foi quando eu fiz o curso “De volta ao Lar” da Camila Abadie e comecei a traçar esse árduo caminho de redescobrimento da vocação a qual fui chamada por Deus. Também foi o ano que abrimos os olhos para as mazelas da atual realidade educacional brasileira e, como resposta às nossas angústias, descobrimos o Homeschooling e suas inúmeras vantagens. Também foi o ano em que criamos o blog “Na via do Saber”, com o intuito de chamar a atenção das pessoas, principalmente de nossos amigos e familiares, para os absurdos que vem acontecendo no mundo da educação e ajudá-las a descobrir e entender um pouco sobre a Educação Domiciliar. Tentamos mostrar que há alternativas para os pais que simplesmente não desejam ver seus filhos à mercê de um ensino ineficiente, que limita a capacidade das crianças e que, como se não bastasse, ainda é tomado por ideologias de esquerda. Tentamos apresentar um caminho possível para pais que desejam, nas palavras do Papa Francisco, voltar do seu exílio — porque se auto-exilaram da educação dos próprios filhos — e recuperar a sua função educativa.

O blog começou em agosto do ano passado e iniciamos procurando demonstrar a baixa qualidade do ensino e como o sistema escolar no Brasil está totalmente dominado por ideologias mentirosas e demoníacas. Mas como nossa intenção não era sermos um clipping de notícias sobre a péssima educação escolar no Brasil, partimos para o lado bom da “coisa” e apresentamos o Homeschooling como uma possível solução para nossos problemas.

Inicialmente explicamos o que é o Homeschooling, depois procuramos discutir os pontos mais controversos que norteiam a temática, como a socialização das crianças, nossa capacidade para ensiná-las e a legalidade de sua prática no Brasil. Nesse período, paralelamente ao blog, estávamos muito concentrados em estudar tudo quanto possível sobre a educação domiciliar. Fizemos os cursos “Homeschooling 1.0” da Camila Abadie e “Educação Literária da Criança” do professor Rafael Falcón; passamos a acessar diversos blogs brasileiros e americanos de famílias que já praticam essa modalidade de ensino; entramos em fóruns sobre Educação Domiciliar no Brasil; lemos diversos livros, como “Catholic Education: Homeward Bound” da Kimberly Hahn e Mary Hasen,  “Designing Your Own Classical Curriculum – A Guide to Catholic Home Education” da Laura Berquist, “Teaching the Trivium” da Harvey & Laurie Bluedorn e também “Well-trained Mind – A Guide to Classical Education at Home” de Susan Wise Bauer e Jessie Wise. Além dos estudos, ainda fizemos muitas amizades com famílias homeschoolers, as quais estamos sempre em contato, trocando experiências e recebendo apoio e incentivo.

Leituras que julgamos essenciais àqueles que desejam começar a praticar o Homeschool


Em 2015, apesar do nosso filho ainda estar frequentando a escola, passamos a acompanhar sua educação mais de perto e complementávamos seus estudos em casa. Ainda que estivéssemos certos que o melhor para ele seria o Homeschooling ainda não nos sentíamos preparados para assumir tamanha responsabilidade. Além do receio quanto à nossa preparação, ainda não tínhamos falado com o pai biológico do Victor Hugo e não poderíamos iniciar tamanha mudança na vida dele sem o seu consentimento.

Pois bem, nas férias de dezembro fomos à cidade do pai do Victor e, após uma longa, produtiva e esclarecedora conversa, conseguimos um aceno positivo para começarmos a praticar a educação domiciliar. Existem diversas formas de praticar essa modalidade de educação e, a princípio, nossa intenção era oferecer uma educação clássica, no entanto, o pai dele, movido por uma preocupação natural para quem não conhece o ensino clássico, impôs algumas regras, as quais estamos dispostos a cumprir, como não deixar de dar todo o conteúdo que seria ministrado na escola. Portanto, tentaremos compatibilizar a educação clássica com as matérias escolares. Além da questão das disciplinas, temos ainda que resolver um problema: o Victor Hugo já está na idade correspondente à fase lógica do Trivium, mas ele não passou adequadamente pelo estágio gramatical. Então teremos que suprir suas deficiências relacionadas ao estágio gramatical antes de entrarmos propriamente na fase lógica. Ainda não sabemos exatamente como o Victor responderá ao currículo que estamos montando e estamos cientes que talvez tenhamos que fazer muitas mudanças em nosso planejamento. Mas estamos muito confiantes e animados.



Por fim, desde que chegamos de nossas férias, estamos trabalhando muito no currículo do Victor Hugo (por isso a ausência de posts aqui no blog). Também estamos montando uma grade horária e mudando toda nossa rotina. Realmente a educação domiciliar requer muita dedicação e toda a família tem que estar disposta a mudar seus hábitos para que ela seja possível. Temos que ser comprometidos e ter disciplina, mas sabemos que valerá muito a pena. 

Em breve voltaremos com um post no qual pretendemos compartilhar o currículo que montamos para nosso filho de 13 anos referente ao oitavo ano do ensino fundamental II. Desejamos a todos que esse ano seja um ano de muito aprendizado e que possamos entrar na maravilhosa via do saber, sempre comprometidos com a busca da Verdade que é Jesus Cristo.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Praticar Homeschooling no Brasil é legal?

Uma das maiores dúvidas acerca da prática do Homeschooling no Brasil gira em torno de sua legalidade, uma vez que inexiste qualquer norma expressa a respeito. Muitos pais afirmam seu desejo de praticar o ensino domiciliar, mas não o fazem por medo de infringir a lei. Outros escolhem ser homeschoolers, mas agem escondidos, como se fossem contraventores. Ainda há aqueles com espírito mais libertário que parecem preferir que seja ilegal mesmo para poder praticar a desobediência civil. Enfim, poucas pessoas têm segurança da situação jurídica da educação domiciliar no Brasil, e para dirimir essas dúvidas, fizemos esse post tomando por base o excelente parecer escrito pelo jurista Alexandre Magno Fernandes Moreira, Diretor Jurídico da Associação Nacional de Ensino Domiciliar, sobre o tema[1]. Encorajamos todos aqueles que têm qualquer interesse por Homeschooling a aprender e, se possível, memorizar as argumentações do Dr. Alexandre Magno.


Conhecer a legislação é obrigação de quem pretende um dia praticar o ensino domiciliar


O ensino domiciliar, como substituto do ensino escolar, não é proibido expressamente por nenhuma norma no ordenamento jurídico brasileiro, seja constitucional, legal ou regulamentar. Nem, tampouco, é expressamente permitido ou regulado por qualquer norma. O fundamento dessa omissão é bastante simples: o assunto somente está sendo debatido no Brasil recentemente e, ainda, de forma tímida. Existe, pois, uma lacuna na legislação brasileira, os dois principais documentos que tratam de educação (Constituição Federal – CF e Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB) sequer mencionam a educação domiciliar, sendo que, apenas essa omissão já é suficiente para, de forma preliminar, declarar a validade da educação domiciliar, pois a CF tem como um dos pilares o princípio da legalidade (art. 5°, II), que considera lícita qualquer conduta não expressamente proibida em lei.

Porém, como a mera inexistência de proibição ainda pode gerar dúvidas naqueles que consideram o tema por demais estranho, a adequação do fato em discussão deve ser verificada ao espírito das normas vigentes. Em outros termos, além de não existir norma expressamente proibitiva, procurar-se-à determinar a existência ou não de normas que apoiem a aplicação do ensino domiciliar.

A questão da licitude ou ilicitude da educação domiciliar será analisada gradativamente ao se procurar responder a duas questões essenciais, seguindo a hierarquia do ordenamento jurídico brasileiro: Constituição Federal, tratados internacionais de direitos humanos (no caso, a Declaração Universal dos Direito Humanos) e leis ordinárias (no caso, a LDB, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – e o Código Civil – CC). As questões são as seguintes:


1ª. A quem compete prover a educação?

Não há controvérsia a esse respeito, sendo a obrigação compartilhada entre a família e o Estado, conforme demonstra o artigo 205. CF:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

E o artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Ficando claro, portanto, que o Estado e a família são responsáveis pela educação.


2ª. A quem compete a primazia na educação dos filhos menores?

A resposta é dada de forma cristalina, respectivamente, na Declaração Universal dos Direito Humanos e no Código Civil, conforme se segue:

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos (artigo XXVI).

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação.

Portanto, os pais têm os deveres de educar e de dirigir a educação dos filhos e, para cumpri-los, podem utilizar-se dos métodos que acharem mais pertinentes: matricular os filhos em uma escola, ensiná-los em casa ou utilizar qualquer outra forma intermediária. Nesse sentido, o Estado somente pode tomar para si a educação do menor caso a família não tenha vontade ou condições de educá-lo em casa. Por cautela, porém, deve se considerar a conclusão alcançada até aqui como, ainda, provisória. Para torná-la definitiva, é necessária a apreciação de todos os dispositivos constitucionais, legais e regulamentares pertinentes à matéria.


Aspectos constitucionais

Inicialmente, deve ser analisado o art. 208 da CF:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (...) § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

O inciso I do mencionado artigo não obriga à escolarização, mas à educação, que é conceito bem mais amplo. Sua interpretação é bastante simples: a educação, que começa com o nascimento do indivíduo, deve assumir uma feição formal quando ele tem de 4 a 17 anos, ou seja, deve cumprir as finalidades enumeradas no art. 203 da CF:

a) pleno desenvolvimento da pessoa;
b) seu preparo para o exercício da cidadania; e
c) sua qualificação para o trabalho.

Para alcançar essas finalidades, os pais podem, se tiverem as condições necessárias, educar os filhos em casa. Mais ainda: de qualquer forma, a educação deve ser realizada em casa. A própria CF reconhece isso ao dispor, no art. 229, que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”. Portanto, a educação domiciliar não apenas é permitida, mas também exigida dos pais.

Em síntese: constitucionalmente, a educação domiciliar é um dever da família, que perde boa parte do sentido de sua existência se não provê-la para seus membros mais frágeis. Também é um direito individual dos pais, que somente deixarão de exercê-lo se não puderem ou não quiserem.

A Constituição Federal de 1988 garante aos pais o direito de educar seus filhos


Aspectos infraconstitucionais

O art. 6° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação determina aos “pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental”. Esse dever, porém, não se aplica aos pais que optaram pelo ensino domiciliar por um motivo muito simples: o objeto da lei não é a educação em geral, mas apenas aquela ministrada nas escolas: “esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias” (art. 1°, § 1°).

Defender interpretação diversa seria como pretender aplicar o Código de Trânsito Brasileiro, que trata apenas dos veículos terrestres, a aviões e navios. Mesmo que, apenas por hipótese, a LDB seja considerada como uma lei aplicável a qualquer modalidade de ensino, deve-se atentar para o fato de que ela mesma não exige que o aluno da educação básica (formada pela educação infantil e pelo ensino fundamental e médio) tenha escolarização anterior:

Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: (...) II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita: (...) c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;

O dispositivo referido permite expressamente que um aluno ingresse em algum dos níveis da educação básica sem necessidade de ter frequentado anteriormente a escola: basta a realização de uma avaliação que meça seu grau de desenvolvimento. Trata-se de simples regra de bom-senso, que determina prioridade do efetivo aprendizado sobre o mero comparecimento em sala de aula.

O mesmo bom-senso foi utilizado pelo Governo Federal ao estabelecer que a aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) tem como consequência a expedição de um certificado de conclusão do ensino médio. Essa norma está contida na PORTARIA NORMATIVA N° 4, DE 11 DE FEVEREIRO DE 2010, expedida pelo Ministro da Educação:

Art. 1º O interessado em obter certificação no nível de conclusão do ensino médio ou declaração de proficiência com base no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM deverá acessar o sítio eletrônico (http://sistemasenem2.inep.gov.br/Enem2009/), com seu número de inscrição e senha, e preencher o formulário eletrônico de solicitação de certificação, de acordo com as instruções pertinentes, até o dia 31 (trinta e um) de março de 2010.

Art. 2º O interessado deverá observar os seguintes requisitos: I - ter 18 (dezoito) anos completos até a data de realização da primeira prova do ENEM; II - ter atingido o mínimo de 400 pontos em cada uma das áreas de conhecimento do ENEM; III - ter atingido o mínimo de 500 pontos na redação. Parágrafo único. Para a área de linguagens, códigos e suas tecnologias, o interessado deverá obter o mínimo de 400 pontos na prova objetiva e, adicionalmente, o mínimo de 500 pontos na prova de redação.

Art. 3º O INEP disponibilizará às Secretarias de Educação dos Estados, Municípios e do Distrito Federal e aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia as notas e os dados cadastrais dos interessados, nos termos do art. 1º, por meio do sítio (http://sistemasenem.inep.gov.br/EnemSolicitacao/).

Art. 4º Compete às Secretarias de Educação e aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, definir os procedimentos para certificação no nível de conclusão do ensino médio com base nas notas do ENEM 2009.

Nessa portaria, há um dispositivo de suma relevância: o art. 2°, que enumera os requisitos para a obtenção do certificado de conclusão do nível médio: o postulante precisa apenas ter 18 anos e alcançar uma pontuação mínima. A relevância do dispositivo está exatamente naquilo que omite, pois não requer, para a obtenção do certificado, a comprovação de que foram concluídas regularmente todas as séries do ensino fundamental e médio. Assim, aquele que foi educado em casa poderá fazer o ENEM e, caso preencha os requisitos, conseguir um certificado de conclusão do ensino médio. Implicitamente, o Ministério da Educação reconheceu como válida a educação domiciliar, adotando uma noção material de ensino médio (determinado nível de desenvolvimento intelectual) ao invés da tradicional concepção formal (número de séries frequentadas pelo aluno na escola).


E quanto ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA?

O art. 55 do ECA contém uma norma, à primeira vista, bastante peremptória: “os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. Em uma interpretação isolada, parece não haver opções para os pais: mesmo a contragosto, estariam obrigados a matricular os filhos nas escolas. Porém, obviamente, não existe norma isolada no sistema jurídico. Toda interpretação deve ser sistemática, ou seja, deve considerar o conjunto das normas jurídicas. E, como visto, há normas constitucionais, legais e regulamentares que permitem o ensino domiciliar. Neste caso, há uma peculiaridade, pois o ECA tem um artigo que determina um modo especial de interpretação de suas normas:

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Trata-se da doutrina da proteção integral, que requer prioridade absoluta à criança e ao adolescente, considerando a efetivação de seus direitos como o norte para a interpretação do ECA. A questão, assim, torna-se bastante simples: qualquer norma dessa lei deixa de ser obrigatória se for demonstrado que, no caso concreto, sua aplicação não reflete o melhor interesse do menor. Além disso, a lei contém o vício já examinado em outros casos: a educação domiciliar nem chegou a ser discutida durante a sua tramitação. Mais ainda: à época de sua promulgação, nem se sabia, no Brasil, da existência dessa modalidade de educação. Nesse sentido, a opção era muito clara: deveria ser imposta a matrícula em estabelecimento escolar porque a alternativa conhecida à época era, simplesmente, a ausência de instrução. Pois bem, o art. 55 do ECA deve ser interpretado restritivamente, ou seja, somente estão obrigados a matricular os filhos na escola, os pais que não quiserem ou não puderem prover adequadamente o ensino domiciliar.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também não proíbe a pratica do Homeschooling


Ainda é preciso fazer uma referência ao Conselho Tutelar, previsto nos art. 131 a 135 da lei. Seu objetivo é, expressamente, “zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”. Entre esses direitos, está, obviamente, o de receber a educação adequada. Assim, os membros do Conselho Tutelar exercem o poder de polícia sobre as famílias no que tange à educação dos filhos. É possível que verifiquem se os menores estão recebendo a instrução adequada para sua idade. Podem, inclusive, realizar testes para avaliar o desenvolvimento intelectual dos menores. Os limites da atuação do Conselho Tutelar esbarram no poder familiar concedido pelo Código Civil aos pais. Como visto, somente a estes cabe dirigir a educação dos filhos. Caso um membro desse conselho resolva atuar pelo simples fato de os pais estarem educarem os filhos em casa, ele estará usurpando o poder familiar e praticando, portanto, um ato de abuso de autoridade, que implica responsabilidade civil, administrativa e, eventualmente, penal.


E o Código Penal?

A última lei a ser analisada é o Código Penal, que dispõe acerca do chamado “Abandono intelectual”;

Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Perceba-se que não há, aqui, nenhuma obrigação de manter o filho em uma instituição escolar, mas apenas de “prover à instrução primária”, ou seja, de educá-lo, em casa ou na escola. Isso se torna mais evidente ao verificar o tratamento que a Constituição de 1937, vigente à época da promulgação do Código Penal Brasileiro, dava à educação:

Art. 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular.

É difícil imaginar um dispositivo que permita a educação domiciliar de forma mais evidente. Está bem estabelecido o direito primordial dos pais e o caráter apenas colaborativo da atuação do Estado. Portanto, não matricular os filhos na escola será crime de abandono intelectual apenas se os pais não proverem a instrução em casa. Ademais, é possível, ao contrário, que a matrícula em instituição de ensino que não consiga prover adequadamente a instrução, como é bastante comum, configure esse crime.

A educação domiciliar não se caracteriza como abandono intelectual


Conclusões

A precedente análise do ordenamento jurídico brasileiro permite as seguintes conclusões:

1ª) o ensino domiciliar não é proibido no Brasil. Não há nenhuma norma jurídica que, expressamente, o considere inválido. Em casos como esse, aplica-se o princípio constitucional da legalidade, que considera lícito qualquer ato que não seja proibido por lei;
2ª) o ensino domiciliar é um dever que os pais ou responsáveis têm com relação aos filhos. A educação, em sentido amplo, deve ser dada principalmente em casa, sendo a instrução escolar apenas subsidiária;
3ª) o ensino domiciliar também é um direito dos pais, pois, conforme o Código Civil, uma das atribuições decorrentes do poder familiar é a de dirigir a educação dos filhos. A escolarização somente é necessária se os pais não puderem ou não quiserem educar os filhos em casa;
4ª) essa interpretação foi adotada implicitamente pelo Ministério da Educação ao dispor que a obtenção de determinada pontuação no Enem dá direito a um certificado de conclusão do ensino médio, sendo desnecessária qualquer comprovação escolar;
5ª) a matrícula em instituição de ensino somente é obrigatória, nos termos da LDB e do ECA, para os menores que não estejam sendo ensinados em casa ou cuja educação domiciliar revele-se, indubitavelmente, deficiente;
6ª) somente há crime de abandono intelectual se não for provida instrução primária aos filhos. O CP, ao prever essa conduta, não colocou como requisito que essa instrução deva ser dada na escola;
7ª) o Conselho Tutelar tem o poder, assegurado legalmente, de fiscalizar a educação recebida por crianças e adolescentes, podendo, inclusive, submeter aqueles educados em casa a avaliações de desempenho intelectual condizente com sua idade. Não pode, porém, determinar o modo como serão educados, em casa ou na escola, o que constituiria abuso de autoridade por intromissão indevida na esfera do poder familiar dos pais.






[1] Situação Jurídica da Educação Domiciliar em Nosso País. (http://www.aned.org.br/portal/downloads/A_situacao_juridica_do_ensino_domiciliar_no_Brasil.pdf)