sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Da matemática às virtudes morais

Há algumas semanas o Victor Hugo recebeu o resultado das provas do 3º Bimestre. Sua nota de matemática foi 8,8, uma nota excelente, principalmente se levarmos em consideração que mais da metade de sua turma teve nota inferior a 2,0 e que o pouco que ele errou foi por pura distração. Ele disse que foi bem porque o ajudei a estudar, ainda que eu não tenha feito nada demais, mas apenas ensinei a matéria de modo a fazê-lo entender o que havia por traz dos números e prestei atenção nas dificuldades que ele apresentava ao resolver os exercícios.

A matemática é uma linguagem e, como tal, deve ser usada
para expressar a realidade, para simplificar processos mentais
que seriam impossíveis sem a ajuda de abstrações.
Como mencionamos em outro post, foram 40 minutos nos quais expliquei a matéria de um bimestre. O professor demorou dois meses para superar essa matéria por um motivo simples: passava a maior parte do tempo tentando controlar uma turma de 40 pré-adolescentes, uma missão impossível, ainda mais nestes tempos em que qualquer alteração de voz é considerada agressão. Não havia nada de muito complexo para aprender, mas apenas equações com duas variáveis. O problema é que ele, assim como seus colegas de sala, não sabia nem mesmo o que eram números, muito menos variáveis. Ele tinha decorado algumas regras sem entender o que significavam. Percebi essa deficiência quando notei que ele não entendia por que ao passar um número para o outro lado da equação devemos inverter o sinal, mas quando se passa o denominador de uma fração para o outro lado da equação como multiplicação, o sinal permanece o mesmo. Da mesma forma, era claro que ele tinha decorado como fazer o Mínimo Múltiplo Comum, mas não fazia ideia do que aquele macete significava. Logo que percebi essa deficiência, tentei mostrar a ele que os números não são símbolos vazios, mas são abstrações que só fazem sentido porque podem representar algo real. Por exemplo, se digo que “x + 2 = 5”, ele deve entender que esses números e letras devem representar algo real, qualquer coisa que seja contável. Como ele gosta muito de agricultura, sugeri que pensasse os números como litros de fertilizante. Logo que dei o exemplo, ele disparou a calcular quantos reais se gasta com fertilizantes em uma plantação de soja de tantos hectares se forem necessários uma certa quantidade de litros por hectare. Vejam como é importante a escolha de um bom exemplo! Rapidamente ele entendeu que a variável “x” não era nada mais que um número desconhecido de litros de fertilizante. Mas, se sabemos que ao adicionar 2 litros a esse número, ele dá um total de 5 litros, então “x” só pode ser 3 litros. Assim ele pôde entender o motivo real da necessidade de se inverter o sinal do número ao passá-lo para o outro lado da equação. A partir de então, aumentei mais uma variável, inseri frações e sistemas, sempre partindo de um exemplo prático.

O esforço e a paciência necessários ao estudo da matemática
também preparam as crianças para os momentos da vida em
que seus objetivos dependerão de muito suor e lágrimas.
Logo depois de ensinar, deixei-o resolvendo alguns exercícios. Quando voltei, verifiquei aqueles que ele tinha errado e percebi imediatamente o que ele ainda não estava entendendo. Não só pude eximir suas dúvidas específicas de matemática, como pude conhecê-lo melhor: vi que não havia nele a menor disposição para tentar solucionar um problema que ele tinha dúvidas se conseguiria resolver com êxito. Ele nem tentava solucionar certos problemas e nem mesmo reconhecia que não sabia fazê-lo, mas justificava-se dizendo que não tinha aprendido. Isso não é uma deficiência de matemática, tampouco de aprendizado geral, mas uma deformidade de virtudes: impaciência somada à covardia e ao orgulho, ou seja, não consegue passar alguns minutos raciocinando, tem medo de errar e não aceita que não sabe. Depois de receber essa iluminação por meio de simples exercícios de matemática, passamos a reparar mais em suas atitudes e confirmamos a necessidade de trabalhar tais virtudes nele. Obviamente conversamos com ele e explicamos a importância dessas virtudes para a vida de um homem. 

Esse é somente um exemplo de como o ensino individualizado é muito mais eficiente. Imaginem se um professor conseguiria detectar e sanar as dificuldades de cada um dos 40 alunos da turma, quando ele nem mesmo é capaz de mantê-los em silêncio por 5 minutos? Muito mais importante do que a eficiência instrutiva, estudar com os filhos permite aos pais educá-los para as virtudes, pois também ali identificamos suas dificuldades morais e seus pecados (sim, crianças e adolescentes pecam), o que nos permite ajudá-los. Notem que um despretensioso estudo de matemática nos fez capaz de enxergar virtudes (paciência, coragem e humildade) que precisavam ser melhor trabalhadas no Victor Hugo. As horas que nossos filhos passam com os professores que nem sabemos quem são, que vida levam ou qual conduta moral defendem e praticam são momentos que poderíamos aproveitar para conhecer e amar mais nossos filhos.       


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Existem grandes brasileiros?

História é certamente a disciplina que eu e Juliana achávamos mais fascinante em nossos tempos de colégio. Além do interesse pelo estudo do passado, nós também compartilhamos por muito tempo a mesma opinião negativa sobre a história do Brasil, em contraponto com a história universal: nossa pátria teria sido formada por pessoas de índole moral duvidosa. Parecia que os grandes personagens de nossa história eram todos desprezíveis espertalhões. Até mesmo aqueles poucos que os professores da escola elogiavam foram depois desmascarados, como o ditador militar Getúlio Vargas ou João Goulart, um aspirante a Mao Tsé-Tung. Não sobrava um sequer para salvar a pátria.

Sempre senti uma certa inveja dos norte-americanos que falam com tanto orgulho de seus Founding Fathers. Mesmo fora da política, nunca a escola me apresentou grandes brasileiros em nenhuma área. Não temos um Dante Alighieri na literatura, nenhum Michelangelo nas artes plásticas, nenhum Henry Ford no empreendedorismo, nenhum grande cientista. Será que temos realmente que contar a nossos filhos a história do Brasil como um país em que os únicos grandes homens foram chutadores de bolas? É impossível que um país inteiro seja formado por pessoas ruins. Ainda que todos os políticos importantes fossem seres desprezíveis, o Brasil deve possuir homens que realizaram grandes obras merecedoras de serem contadas às futuras gerações.

Para meu alívio, há algumas semanas, assistindo a uma das aulas do curso Homeschooling 1.0, vi a Camila Abadie, do Blog Encontrando Alegria, recomendando alguns livros de história que há décadas não são mais publicados, como “Homens que Fizeram o Brasil” e “Grandes Personagens de Nossa História”. Na mesma hora eu saí em busca deles no Mercado Livre e encontrei alguns exemplares. Quando a encomenda chegou em casa, ficamos encantados não somente com o conteúdo, mas até mesmo com a qualidade material do livro. Não há comparação com as apostilas que nossos filhos usam. Somente em folheá-los e ler algumas páginas, notamos que possuem grande riqueza de informação histórica e sem viés ideológico. Espero encontrar ali um consolo para a minha decepção com a história do Brasil.


Além da esperança de conhecer grandes brasileiros, certamente nossa família poderá conhecer melhor o Brasil, pois a história é formada por fatos, os quais são sempre consequência da ação humana, a qual só pode ser minimamente compreendida se conhecermos um pouco da vida de seus agentes. Portanto, parece-me muito deficiente o estudo da história sem estudar os homens que a fizeram.