Um dos grandes
bens que a educação domiciliar proporciona é a individualização do ensino. Cada
aluno possui características próprias que fazem com que o aprendizado seja mais
eficiente se forem considerados tais atributos no processo de aprendizagem. Há
crianças que precisam estar sob vigilância constante, enquanto outras trabalham
melhor de forma mais independente. Há alguns que passam horas estudando um
único tema, já há outras que precisam mudar de objeto de estudo ou usufruir de
frequentes intervalos durante o dia. São inúmeras as características que
devemos considerar. Isso parece ser bastante evidente para quem já se aventurou
em educar, mas o que não é nem um pouco óbvio é conseguir identificar as
características do aluno e a melhor forma de ensiná-lo. Pais atentos que educam
os filhos em casa naturalmente vão percebendo essas características com o
passar do tempo, ainda que muitas vezes essa percepção seja falha ou muito
lenta. Ouvimos relatos de pais que tiveram que tentar diversas formas de
ensinar e, somente após várias tentativas, descobriram como o filho aprende
melhor. Nosso caso não foi tão diferente. A Juliana demorou um tempo para
compreender como o Victor Hugo assimilava melhor o conteúdo. Para isso, tivemos
ajuda que todos os pais que educam seus filhos em casa deveriam levar em conta,
pois encurta bastante o trabalho: a identificação do temperamento da criança.
Já tínhamos
ouvido o Rafael Falcón e a Camila Abadie alertando sobre a importância da
identificação do temperamento dos filhos para ensiná-los, mas foi a partir do
texto “Os Temperamentos”, indicado pelo Rafael Brodbeck no curso “Como Catequizar seus Filhos em Casa” que passamos compreender a importância
de saber o temperamento tanto dos pais quanto dos filhos para melhor educá-los.
Não vamos aqui descrever detalhadamente os temperamentos, mas gostaríamos de
mostrar o quanto essa descoberta tem sido importante para nossa família, não só
na educação do Victor Hugo, mas no relacionamento familiar e na nossa própria autoeducação.
Os quatro
temperamentos foram identificados ainda na Grécia antiga, provavelmente por
Hipócrates. Não é uma moda da psicologia moderna, tampouco um conhecimento
exotérico. Todos nós temos um dos quatro temperamentos ou um misto deles, mas apenas
um exerce sobre nós influência preponderante. São eles: colérico, sanguíneo, melancólico
ou fleumático. Cada um desses temperamentos apresenta uma série enorme de
características e particularidades que torna fácil de identificá-lo em nós
mesmos ou nas pessoas com quem convivemos. Entretanto, todos esses atributos são
consequência de como cada um reage a um estímulo, de como cada temperamento
responde a uma ofensa, um elogio, um fato triste, uma conquista, uma derrota,
etc. Apresentamos abaixo, de forma resumida, alguns aspectos dos quatro
temperamentos. Nossa intenção com esse texto não é descrever os pormenores de
cada temperamento, muito menos oferecer um curso sobre o tema, mas somente dar
um testemunho de como esse conhecimento tem ajudado a nossa família e encorajar
as demais famílias a estudar um pouco sobre o tema.
TEMPERAMENTO
COLÉRICO
O colérico
costuma excitar-se rapidamente e longamente diante de estímulos.
Isso significa que ele se interessa muito fácil por algum assunto ou
acontecimento e esse interesse permanece por longo tempo. Da mesma forma, ele
costuma se irritar, magoar ou se alegrar facilmente e tais sentimentos
permanecem por longo tempo na alma do colérico. Quem educa um colérico goza de
uma certa facilidade, pois eles são mais independentes. Ao se interessar por um
tema, eles vão a fundo em suas pesquisas sem que o tutor tenha que ficar
cobrando, explicando ou incentivando. O educador do colérico deve ser aquele
que indica ao pupilo o que estudar, deve apresentar desafios, deve excitá-lo e
tomar sempre o cuidado para que ele não tome o caminho errado. Devido à rápida
excitação e à persistência típicas do colérico, eles tendem aos extremos: ou
são empreendedores de grande sucesso ou empresários falidos; ou são grandes
santos ou grandes pecadores; etc. Em
nossa casa, a Juliana é a colérica. Saber disso nos ajuda a lidar com seus
momentos de irritação e de grande alegria. Hoje eu entendo por que ela fica
brava ou irritada com as mínimas coisas e essa compreensão faz com que eu
releve muitas coisas que ela diz e me permite ajudá-la a não transformar o
temperamento em causa de pecado.
TEMPERAMENTO
SANGUÍNEO
O sanguíneo é
aquele que se excita rapidamente, mas que logo se arrefece e já concentra suas
emoções em outros novos estímulos. Por exemplo, se alguém ofende um sanguíneo,
ele fica muito chateado no momento, mas rapidamente esse sentimento some, pois
ele já está preocupado com outra coisa. Essa velocidade com que a excitação vai
embora gera problemas tanto na educação moral quanto na instrução técnica: as
reprimendas não surtem efeito e seu interesse por um tema desaparece de uma
hora para a outra. Esse é o caso do Victor Hugo. Como a Juliana é colérica, é
normal ouvir as broncas que ela dá no Victor e é decepcionante ver que depois
de um minuto ele já esqueceu a repreensão e está pronto a cometer o mesmo erro
novamente. Portanto, aprendemos que não adianta ficar bravo com ele, mas que é
muito mais eficiente fazermos com que ele sofra as penas de seus erros ao longo
do tempo. Para os afazeres diários é necessário ter paciência, repetir todos os
dias aquilo que ele deve fazer, até que, depois de muita insistência, torne-se
um hábito.
O sanguíneo
também é muito facilmente influenciado, para o bem ou para o mal. Já tínhamos
percebido essa característica no Victor Hugo e o perigo que ele corria sob
influências de más amizades e de professores doutrinadores. Esse foi um dos
motivos para decidirmos começar a educação domiciliar imediatamente.
Na instrução
técnica, o problema do sanguíneo é que ele muda de interesse a cada momento e
assim torna-se muito difícil de aprofundar-se em uma matéria, de refletir a
longo sobre um tema. Por isso, nós temos que ser muito insistentes com o Victor
Hugo e força-lo a continuar se dedicando a algo que não desperta mais o seu
interesse como anteriormente. Notamos que existe uma linha tênue que separa o
respeito ao temperamento dos filhos à conivência com o erro provocado pelo
temperamento. Portanto, eu não posso
exigir que o Victor Hugo reflita sobre um tema com a mesma profundidade que um
melancólico, mas também não posso deixa-lo à mercê dos ventos de seus
interesses, sob pena de fazer com que ele nunca seja bom em coisa alguma, nem
moralmente e nem tecnicamente falando.
TEMPERAMENTO
MELANCÓLICO
O melancólico,
que é o meu caso, é difícil de ser excitado, mas quando algo o comove, o
estímulo dura por muito tempo. Longas e profundas reflexões são típicas do
melancólico, o que pode ajudar muito na vida de fé e estudos, mas que tem o
mesmo poder de transformá-lo em uma pessoa cheia de remorsos, pessimista e
triste. O melancólico é calado, lento e apático. Não podemos esperar pro-atividade
dele. Ainda que normalmente seja possuidor de talentos, é difícil fazer com que
ele se mova ou tome alguma iniciativa. Muitos melancólicos poderiam ser grandes
profissionais nas mais diversas áreas, mas morrem sem nunca ter tido a iniciativa
de dedicar-se ao seu talento. Para educar um filho melancólico, é necessário
incentivá-lo a agir, a se envolver com o que será estudado.
TEMPERAMENTO
FLEUMÁTICO
O fleumático é
aquele que dificilmente será excitado e quando algum estímulo o atinge, logo
passa. Como consequência, ele não se interessa muito por estudos ou trabalhos,
tampouco se entusiasmam com desafios, mas prefere o descanso, a tranquilidade.
O que passa fora deles não os atinge, portanto é difícil que se movam por algo
maior do que aquilo que atinja diretamente as suas rotinas. A vantagem do
fleumático é que ele se mantém tranquilo perante as adversidades, insultos,
fracassos. Educar o fleumático exige muito trabalho e paciência dos pais: é
necessário explicar-lhes tudo e por repetidas vezes. Os fleumáticos normalmente
se destacam em áreas em que a comunicação é mais importante que o conhecimento
profundo sobre algum tema, como no comércio.
Temos que tomar
muito cuidado para que, ao identificar os nossos temperamentos ou os de nossos
filhos, não caiamos na tentação de utilizá-los como desculpas para nossos
erros. Se o temperamento nos faz tender a um pecado ou um mal comportamento,
temos que ter consciência dessa tendência e combatê-la com maior rigor ainda,
temos que nos violentar por amor à nossa família e por amor a Deus. Se devemos
ter esse cuidado conosco mesmos, tanto mais devemos combater as tendências
ruins dos temperamentos de nossos filhos. Se nós deixássemos que o Victor Hugo agisse
de acordo com as suas tendências temperamentais, nós simplesmente não o
estaríamos educando. Portanto, a vantagem de identificar o temperamento dos
filhos é saber precisamente qual o ponto que devemos nos ater para que ele se
torne um homem virtuoso, ainda que seu temperamento o faça propenso a ser
escravo de seus vícios.
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