quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Laicismo na educação: a separação entre o conhecimento e a Verdade


“A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.”
São João Paulo II, Fides et Ratio



A educação deve ser desvencilhada da religião? Se a espiritualidade é uma opção pessoal, de caráter íntimo, e se o Estado, que seria o ente responsável pela educação, é laico, como uma escola poderia ter qualquer ligação com uma religião? Poderia uma escola deixar de ensinar algo por respeito à religião da maioria de seus alunos? Este post é uma breve reflexão sobre tais questionamentos. Começaremos com uma brevíssima, porém necessária apresentação histórica do surgimento e desenvolvimento dos institutos educacionais. Após o apanhado histórico, discorreremos sobre a relação real entre educação e fé e sobre o papel dos pais na realização de tal relação. Verificaremos que aquilo que nós podemos enxergar, à primeira vista, como um grande problema, pode ser somente um sintoma de uma doença que tem um tratamento que está à nosso alcance.

1. Os Sintomas:

As escolas, as universidades, a produção científica, as artes plásticas, a literatura, a música, a alta cultura, enfim, tudo aquilo pelo qual nós podemos nos alegrar de ser parte da civilização ocidental, devem sua existência à Igreja Católica. Não que nada disso não existisse antes do advento do cristianismo, pois certamente a Roma e a Grécia antiga foram os grandes berços da cultura ocidental. No entanto, nos séculos VIII e IX, quando os bárbaros tinham destruído a base do conhecimento existente, as escolas catedráticas e os monges beneditinos conseguiram bravamente preservar o conhecimento dos gregos e romanos e iniciar uma série de empreendimentos educacionais. Não é à toa que São Bento é o padroeiro da Europa e é considerado o pai da Civilização Ocidental. Eles não só conseguiram restaurar o conhecimento greco-romano, como levaram a cultura e a civilização aos povos bárbaros. As próprias universidades nasceram no seio da Igreja em plena Idade Média (séculos XII e XIII), como a Universidade de Paris, Oxford, Bologna, Padova, Pisa e tantas outras. Para quem tiver interesse sobre o tema, recomendo como ponto de partida dos estudos, o livro do Prof. Thomas Woods Jr. “Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental”. Há também um programa baseado no mesmo livro e disponível no YouTube, chamado “A Igreja Católica: Construtora da Civilização” (https://www.youtube.com/watch?v=ng8dume3V6k).
Prof. Thomas Woods Jr. desmistifica o papel de
grande vilão da história que é imputado à Igreja por
professores de história que não estudam história. 
Mesmo no período renascentista não havia uma oposição sistemática entre o saber e a religião, houve apenas uma restauração de vários elementos do paganismo greco-romano. Note que nem mesmo o conhecimento desses pensamentos pagãos seria possível se a Igreja não os tivesse preservado. Basta conferir os temas das grandes obras de arte daquele período para constatar que não houve afastamento do cristianismo por parte de grande dos pensadores e artistas.  A situação começou a mudar, de fato, com o domínio intelectual dos iluministas franceses na Europa continental e a consequente Revolução Francesa. Houve um notável domínio de pensadores anticristãos no ocidente durante os séculos XVIII e XIX. Aliás, foram os iluministas que pintaram a caveira do período em que a Igreja predominava como mestra da ciência, da cultura e das artes, criando alcunhas como "Idade das Trevas", "período obscurantista", etc. A própria denominação “Idade Média” foi uma tentativa dos iluministas de menosprezar esses mil anos "insignificantes" que se intrometeram entre a antiguidade e a Idade Moderna. Os iluministas criam ter-se emancipado de Deus e de qualquer superstição. Apesar de parecer contraditório, tais intelectuais que se julgavam livres da crença em Deus não fizeram nada mais que trocar a fé em Jesus Cristo pela idolatria ao Estado. Niilistas, positivistas, socialistas e tutti quanti somente cultivaram o solo da religião estatal. Criou-se assim o palco perfeito para a encenação do século do totalitarismo. O início do século XX foi marcado pelo agigantamento do Estado e pela propagação da mentalidade anticristã. Floresceram e frutificaram ideologias políticas de adoração ao estado, como o comunismo, o fascismo, nazismo e, mais recentemente, a aparentemente inofensiva social democracia.
Ilustração da Universidade de Paris no Séc. XIII
O Brasil não foi exceção à regra: a crença no Estado salvador tornou-se quase uma verdade absoluta a partir da ditadura de Getúlio Vargas. A religião estatal domina as mentes da maioria dos brasileiros até hoje. Arrisco afirmar que o típico brasileiro é um politeísta: crê no Estado, no Dinheiro e, nas horas vagas, crê no Deus dos cristãos. Essa realidade fez com que o papel de educar e ensinar, que antes era das famílias e da Igreja, passasse às mãos do Estado. Durante as últimas décadas, a aversão à religião nas escolas fez com que a Igreja não apenas perdesse o protagonismo no ensino, mas que fosse completamente proibida de exercer qualquer papel evangelizador na educação infantil, até mesmo nas escolas particulares de denominação católica. Parece um absurdo, mas os colégios católicos estão cada vez mais curvando-se à idolatria estatal e financeira. Até mesmo as orações antes das aulas foram abolidas para não ofender os alunos que não compartilham da mesma crença.
Alguns podem argumentar que escola é lugar de ensino, de transmissão de conhecimento, não de prática religiosa. Em resposta a essa argumentação, convido o leitor a pensar no motivo que fez com que, há mais ou menos mil anos, as escolas e as universidades florescessem justamente no seio da Igreja, e não entre as instituições leigas. Por que os monges lutaram tanto para preservar o conhecimento acumulado das mãos destruidoras dos bárbaros? A resposta é simples: por amor à verdade. Mas o que é a verdade? Para os cristãos, a verdade é Jesus Cristo. Quando o evangelista diz que Jesus Cristo é Palavra, ou o Logos, que tudo foi criado por meio Dele e sem Ele nada se fez, está afirmando que a ordem que existe no universo, sem a qual não haveria qualquer ciência, é o próprio Jesus Cristo. Portanto a ciência foi expandida na Idade Média, em primeiro lugar, pois era um meio de se aproximar de Deus. Houve sim várias consequências para a vida prática, como o desenvolvimento de novas tecnologias. Porém os ganhos terrenos não eram o interesse maior, mas sim o conhecimento da Verdade. Notem que, para o cristão, a Verdade é a fonte e o fim do saber. Não há sentido algum em separar o conhecimento da fonte do conhecimento, que é Jesus Cristo. Não fosse a busca da verdade transcendente, estaríamos muito provavelmente lutando pela subsistência em meio à barbárie, como vivia boa parte da Europa antes da expansão dos mosteiros beneditinos. Não há na história da humanidade uma única civilização que tenha desenvolvido a ciência com base no materialismo. A busca de uma verdade que transcende a matéria sempre precedeu o desenvolvimento das ciências, desde os Maias na América pré-colombiana até o confucionismo no oriente asiático.
“Ora - podem revidar - essa é a sua crença cristã e, portanto, esse tipo de raciocínio só vale para os cristãos e não deve ser imposto à sociedade!”. Não posso estar mais de acordo com tal objeção: nenhuma forma de conhecimento deve ser imposta à sociedade. Mas o que vivemos hoje é exatamente a imposição de uma ideologia de endeusamento estatal e de satanização da religião. Nossos filhos são educados para odiar o cristianismo, respeitar as outras religiões e ajoelhar-se perante o Estado onisciente, onipotente e infinitamente benevolente.

2. O Diagnóstico e o Tratamento:

        Identificamos um problema: a imposição estatal, por meio de quase toda a rede escolar, da separação entre busca do conhecimento e religião, o que é, por definição de conhecimento, inadmissível e auto-contraditório para um cristão. Mas esse é somente um sintoma causado por uma doença. E qual é essa doença? A confusão entre instrução ou ensino e educação. Por vários motivos que não nos cabe discutir neste momento, o Estado, por meio do sistema escolar, passou a tomar a responsabilidade de educar as crianças e não mais somente oferecer instrução técnica. As famílias, por sua vez, aceitaram passivamente essa intromissão estatal em suas vidas privadas. Sobrou aos pais a simples e cômoda tarefa de criar, de dar sustento aos filhos. Portanto, essa é uma doença que tem somente uma cura possível: os pais voltarem a assumir a responsabilidade de educar os filhos, com ou sem o auxílio de escolas para dar instrução técnica. Não podemos simplesmente permanecer murmurando contra o sistema de ensino, como se fôssemos vítimas indefesas do Estado malvado. As vítimas são nossos filhos! Nós pais, ao contrário, somos culpados pela educação fraca e imoral que nossos filhos recebem. Fomos nós que escolhemos nos abster de sua educação para jogá-los em uma escola e ter a quem culpar depois. Enfim, se nossos filhos têm aversão ao conhecimento, se eles odeiam estudar, se preferem jogar no iPad do que ler livros, a culpa não é da escola, a culpa é nossa! Enquanto não assumirmos para nós o erro e não nos arrependermos do mal que estamos fazendo ao nossos filhos, nada será mudado.


Realização paterna: transmitir ele mesmo conhecimento aos filhos.
Devemos passar mais tempo com nossos filhos, devemos fazer brotar em seus corações o amor pelo conhecimento. É no seio familiar que eles aprenderão a rezar antes e durante o estudo; somos nós que os educaremos na moral e na fé, não o catequista e muito menos o professor; somos nós que faremos despertar neles o amor por uma profissão. O estudo só voltará a ter como fonte e como fim o amor de Deus quando nós pais fizermos a nossa parte. Ao contrário do que a maioria imagina, isso não é impossível de ser feito. É claro que requer um esforço enorme dos pais, o qual pode consistir em: estudar muito, inclusive para dar o exemplo aos filhos; abdicar de momentos pessoais - e egoístas - de lazer para estarmos juntos aos filhos; abdicar daquele cargo que dá mais dinheiro e prestígio, já que o pai precisará chegar mais cedo em casa para estudar com as crianças; muitas vezes a mulher deverá abandonar o emprego para ficar em casa em tempo integral e, com a renda mais baixa, talvez a família terá que deixar de lado as viagens internacionais ou o fim de ano na praia. Enfim, talvez você ache que o preço a pagar seja alto demais, mas o ganho é infinitamente maior, além dos pais não precisarem mais comprar o afeto de seus filhos com uma infinidade de presentes que nunca iriam conseguir suprir suas ausências, o ganho maior é saber que estamos abrindo as portas do Céu aos nossos filhos. Acredito que nada pode fazer um pai cristão mais feliz do que olhar para trás e constatar que trocou todos os seus projetos pessoais para ver seus filhos estudando por amor a Deus, não por amor ao dinheiro e muito menos por imposição estatal. Enfim, pais cristãos felizes são aqueles que educam seus filhos para a santidade.

 "Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me; porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem quiser perder sua vida por amor de mim, achá-la-á. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma? Porque o Filho do Homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras." (Mt 16, 24-27)

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O que é mais importante: amor ao conhecimento ou capacidade de resolver provas?

"No Brasil, depois de sequestrarmos as crianças de suas casas pelo menos cinco horas por dia e gastarmos com elas um quarto do orçamento, descobrimos, oito anos depois, atônitos, que a maioria não sabe ler... E isto apesar de todas as siglas das quais se esconde a bilionária incompetência pública."
Prof. José Monir Nasser, Prefácio de "O Trivium"


Ao acompanhar de perto o ensino dispensado pela maioria das escolas, identificamos diversos malefícios que o ensino oficial tem produzido em nossas crianças, os quais, grosso modo, podem ser divididos em duas grandes áreas: conteúdo ensinado e capacidade de aprendizado. Além de todos os absurdos em relação ao conteúdo transmitido pelos professores e pelos livros didáticos, tais como mentiras, doutrinação ideológica e degradação do conteúdo técnico, é muito claro que os métodos utilizados para transmitir o conteúdo também são ineficientes: é necessário muito tempo para aprender pouco conteúdo, o qual logo é esquecido.

Chegamos a tal constatação pela primeira vez quando fomos ajudar o Victor Hugo a estudar para a prova de matemática. Logo vimos que ele não conseguia resolver os exercícios corretamente, então começamos a explicar-lhe a matéria. Depois de 40 minutos, terminamos de expor o conteúdo do livro, que era basicamente a resolução de equações com duas variáveis. Perguntei o que mais cairia na prova e ele me respondeu: é só isso. Achei estranho e indaguei há quanto tempo estavam estudando aqueles capítulos na escola. Para minha surpresa, ele disse que estavam há dois meses no mesmo tópico! Acredito que o leitor deste post deve estar se perguntando, assim como eu o fiz: o que o professor fez durante esses dois meses? O Victor Hugo me explicou que, durante as aulas, o professor explicava, resolvia questões do livro no quadro e passava exercícios para os alunos. É certo que com matemática não há mágica: só se aprende por meio de muitos exercícios. Portanto, o professor estaria certo em sua estratégia. Mas raciocinem comigo: se os alunos passaram dois meses trabalhando com exercícios, como o Victor Hugo, que é um dos melhores alunos de sua turma, não conseguia resolvê-los?

Para desvendar esse mistério, além conversamos muito com ele para saber o que se passava dentro da sala de aula, passamos a pesquisar mais sobre como os professores ensinam. Também nos ajudou muito seguir o trabalho de alguns pais que têm obtido grandes resultados com a educação de seus filhos. Em breve faremos alguns posts sobre o trabalho heroico dessas famílias. É certo que não nos tornamos especialistas em educação, mas quando os erros são gigantescos, qualquer um que queira honestamente enxergar a realidade os vê.

Após essas pesquisas, ficou claro para nós que, na realidade atual, é impossível que um professor, por mais bem-intencionado que seja, transmita qualquer conteúdo a uma turma de 40 alunos. Por quê? O motivo é simples: os professores passam a maior parte do tempo tentando controlar os alunos. Quando a garotada não está fazendo bagunça, está dormindo, olhando para o teto, com aquela cara de tédio digna de compaixão. Os motivos para tal comportamento são vários. Citaremos alguns que conseguimos identificar.

O cansaço é inerente ao aprendizado, pois o estudo requer esforço mental
mas o tédio é sinal de que há algo de muito errado no modo de se ensinar.
Em primeiro lugar, as crianças e adolescente das últimas décadas foram criadas sem qualquer noção de autoridade. Por exemplo, para um pré-adolescente normal, chamar a atenção dos colegas com brincadeiras e piadinhas é muito mais importante do que respeitar o professor. Esses meninos não reconhecem nem mesmo a autoridade dos próprios pais, quanto mais de um professor, que é visto por eles como um mero serviçal.

O segundo motivo é que estamos vivendo a primeira geração que passou a maior parte da infância jogando no iPad, Celular, Vídeo Game etc. Quando deixam os jogos, vão para a TV ou, se sobrar tempo e vontade, vão brincar de algo mais saudável com outras crianças. Essa prática aparentemente inofensiva de deixar os filhos hipnotizadas com tantas cores e movimentos que passam sob a tela vicia a criança no mundo digital. Tudo o mais que apresentarmos a elas será extremamente entediante. Estamos transformando nossos filhos em verdadeiros drogados. O que é mais triste é ver os pais fazendo isso e pensando que estão acalmando as crianças. Quantas vezes já ouvimos de pais que seus filhos só dão paz quando estão vendo galinha pintadinha ou mexendo no iPad? Será que é tão difícil perceber que, no médio prazo, isso só deixa a criança mais agitada? Ela só fica calma na frente dos eletrônicos, pois está sob efeito de uma droga.

O terceiro motivo é óbvio: muitas crianças juntas sentem vontade de brincar, não de prestar atenção em aulas. A infância é naturalmente lúdica. Estranho seria se 40 crianças juntas não dessem nenhum trabalho.

Por último, há a responsabilidade do professor e da escola, pois eles devem ensinar de forma que estimule os alunos a buscar o conhecimento. O bom professor é aquele que incute no coração da criança o amor pelo saber, pela busca da verdade. No entanto, o maior objetivo declarado de quase todas as escolas é aprovar os alunos nas melhores universidades por meio do Enem ou vestibulares. Só isso! Então um garoto de 12 anos sabe que está na escola com um único objetivo: aprender a fazer exames. Percebemos isso com o Victor Hugo quando notamos sua aversão a aprender qualquer coisa que não fosse cair na prova. Já pensaram que nossos filhos passam mais ou menos 2,4 mil dias ou 12 mil horas na escola entre 1º Ano do Ensino Fundamental e o 3º Ano do Ensino Médio? Nós, pais, mandamos nossos filhos para uma prisão durante 12 mil horas com o único objetivo de fazê-los passar em uma prova! Mesmo se não amássemos nossos filhos, se fôssemos egoístas, ainda assim não faria sentido deixar uma criança na escola por 12 anos, pois manter um filho em uma escola dita de classe média, custa ao todo em torno de 190 mil reais, sem contar os anos de pré-alfabetização. Quem aqui em sã consciência gastaria 190 mil reais para um filho fazer uma prova? Mas é isso que fazemos. A única coisa de útil que nossos filhos aprendem na escola é como passar no vestibular.

O bom professor ensina o aluno a amar a busca do conhecimento
O mau professor ensina os alunos a resolver provas

Talvez muitos pais estejam preocupados apenas com o futuro profissional do filho. Talvez o principal objetivo desses pais seja somente a preparação para o filho entrar na faculdade e posteriormente tornar-se um profissional bem-sucedido – o que não passa de um eufemismo para “ser um homem rico”. No entanto, esse não é o objetivo de nossa família com a educação de nossos filhos. O que gostaríamos que a escola fizesse com o Victor Hugo e com os demais filhos que Deus nos enviar é colaborar para que ele cresça como homem, cultive virtudes e que ame a verdade, que seja ávido na busca do conhecimento! A escola deveria se preocupar em inserir na criança o amor ao conhecimento e em desenvolver nelas as ferramentas necessárias para praticar o estudo.  Mas o que nós testemunhamos é que as escolas fazem o inverso: criam aversão ao estudo e idiotizam nossas crianças. 

"A verdadeira liberdade é impossível sem uma mente feita livre por meio da disciplina" - Mortimer Adler, Como Ler Livros: O Guia Clássico para a Leitura Inteligente  



quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A literatura nas escolas: Mano e os Clássicos


A arte moderna tem sido chamada de ‘intensa’. Não é fácil definir o que vem a ser ‘intenso’, mas, grosso modo, significa uma coisa errada atrás da outra.
G.K. Chesterton

Uma das principais expectativas que os pais costumam ter das escolas é a apresentação da literatura a seus filhos. Esperamos que os professores ensinem a nossos filhos a prática da leitura. Bons livros estimulam a capacidade imaginativa; ensinam o uso correto da língua portuguesa; e apresentam valores que muitas vezes acompanham o leitor por toda a vida. Ao ler os romances de J.R.R. Tolkien, por exemplo, um adolescente cultiva em si valores como honestidade, humildade, lealdade, coragem e amor ao ponto de dar sua própria vida por outras pessoas. Não há como não despertar a sagacidade científica em um adolescente que leia qualquer uma das obras de Júlio Verne. Para não dizer que não cito brasileiros, não poderia deixar lembrar da riqueza linguística e de tantos ensinamentos sobre as mais diversas áreas do conhecimento que se encontram nas aventuras do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Como é delicioso aprender com Monteiro Lobato!
É essa a literatura que esperamos que as escolas apresentem a nossos filhos. Portanto, vocês já devem imaginar quão desgostosa foi nossa experiência ao saber quais livros a escola do Victor Hugo indicou como leitura obrigatória durante este ano. Peço perdão se este post parece exageradamente agressivo, mas não encontro outra maneira de denunciar a tentativa de destruir a mente e o espírito de nossos filhos. 
Além de resumos muito mal feitos de clássicos, como uma versão quase blasfema de Romeo e Julieta, a professora de português obrigou os alunos a ler um livro chamado “Mano descobre a liberdade”, de Heloísa Prieto e Gilberto Dimenstein, pertencente a uma série que se tornou best-seller no mercado editorial de livros didáticos. Ao vê-lo pela primeira vez, já nos assustamos por parecer um livro infantil: poucas páginas; letras enormes; e, é claro, muitas e enormes ilustrações. Li em menos de meia hora o livro sobre o qual os alunos do 7º ano deveriam se debruçar durante meses. Em um passado não muito distante, obras de ficção como Viagem ao Centro da Terra, Robinson Crusoé, O Hobbit ou As Crônicas de Nárnia, eram consideradas literatura infanto-juvenil. Hoje, adolescentes de 12 ou 13 anos, estudantes das ditas melhores escolas, são incapazes de ler poucas páginas seguidas, já que seus cérebros estão viciados na informação visual frenética dos celulares, tablets e televisão. Concentrar-se em uma página branca e cheia de pequenas letras pretas tornou-se para eles uma tortura. Ter que imaginar uma história, criar personagens, um cenário e ações na própria mente, é uma atividade demasiadamente difícil para quem está acostumado a receber passivamente todas as informações prontas de uma tela colorida e viva.
No entanto, o que mais nos assustou no “Mano descobre a liberdade”, foi o seu conteúdo e o uso da língua portuguesa. Haveremos de convir que o objetivo de um professor ao adotar um livro deveria ser o aprimoramento do conhecimento da língua, da capacidade imaginativa e criativa ou até mesmo, como expus no primeiro parágrafo, a transmissão de valores universais ou de um conteúdo específico para seus alunos. Nos parágrafos seguintes, analisarei o livro citado segundo cada um desses aspectos que acabo de mencionar:

1. Língua Portuguesa:

O livro foi todo escrito em linguagem coloquial e jovial. Há diversos erros gramaticais, como o uso incorreto de vírgulas ou erros propositais devido à intenção dos autores de reproduzir o palavreado atual dos adolescentes. Acredito que um professor de língua portuguesa deva se esforçar para que seus alunos aprendam a gramática e o uso formal da língua de forma correta. Ele tem a função de se contrapor ao excesso de coloquialismo que leva os adolescentes a utilizar a língua de forma errada. A julgar pela adoção do “Mano descobre a liberdade”, a professora de língua portuguesa da escola do Victor Hugo não deve concordar comigo. Talvez ela ache que adotar um livro escrito em linguagem coloquial, simples, jovial e errada faça com que os alunos tenham mais interesse pela leitura. Mas, sejamos honestos, qual o objetivo em fazer com que os alunos tenham interesse pela leitura de livros escritos do mesmo modo que esses adolescentes conversam entre si? Ninguém precisa de livros para aprender a linguagem das ruas. Tendo como premissa que os professores que adotam esse livro têm alguma boa intenção, resta-nos investigar o que a obra possui de tão interessante que compense o mau uso da língua portuguesa. Seria o enredo, que trabalha de forma positiva sobre o imaginário do leitor? Seria o conjunto de valores apresentados? Ou então algum conteúdo específico que seria essencial para o conhecimento dos adolescentes?

2. Capacidade Imaginativa:

O enredo da obra é bem simples: um adolescente vive com sua mãe (uma hippie), seu irmão (um adolescente que passa os dias com sua namorada no quarto), seu avô (um grafiteiro) e a empregada. Por meio de sua professora de artes, Anísia, descobre que seu avô já foi preso pela ditadura e que o mesmo senhor faz parte de uma gangue de grafiteiros. Não há nada no enredo ou na descrição dos personagens que leve os alunos a esforçar-se para criar a história em suas mentes. Para facilitar ainda mais o trabalho do leitor, as páginas estão repletas de ilustrações das principais cenas. O pobre do leitor adolescente não pode nem mesmo imaginar uma personagem. Se o livro também não busca incitar a capacidade imaginativa do aluno, só nos resta afirmar que o propósito de sua adoção na escola foi a transmissão de valores ou de algum conhecimento específico.

3. Valores:

Toda obra de ficção carrega algum conjunto de valores, ainda que não intencionalmente. No caso do “Mano”, há uma explícita defesa de certos valores. Como sugere o título, o principal valor defendido pelos autores é a liberdade. Seria uma intenção louvável, caso eles não usassem um conceito muito estranho de liberdade. O livro fala sempre da luta pela liberdade de expressão nos tempos da ditadura militar no Brasil. Afirma que as pessoas presas pelos militares eram heróis que lutavam pelo fim da censura. Este não é o espaço para discutir os detalhes do período militar, mas os autores se esquecem de informar que a maioria dos presos naquele período eram revolucionários que assaltavam bancos, explodiam bombas, sequestravam e matavam. Não disse que os mesmos pertenciam a grupos armados financiados pelas ditaduras mais sanguinárias da história da humanidade. O que agrava ainda mais a abordagem do livro é que, além de tratar criminosos defensores das piores ditaduras como heróis da liberdade, tais criminosos são hoje a cúpula do Partido dos Trabalhadores. O livro ensina nossos filhos que José Dirceu, Lula, Dilma Rousseff e José Genoíno, entre outros companheiros que formam a quadrilha responsável pelo maior roubo da história do Brasil, são grandes heróis da liberdade.
Infelizmente, a violência contra o conceito de liberdade não para por aí. Os autores defendem, por meio da professora Anísia, uma heroína da história, que “a verdadeira liberdade seria não a de escolher entre o preto e o branco, mas a de não precisar fazer semelhante escolha” (p. 37).  O que querem afirmar com essa sentença? Que a verdadeira liberdade é a de não precisar fazer escolhas difíceis? Mas isso é o inverso da liberdade, é um determinismo que escravizaria o ser humano. Se agíssemos sem fazer escolhas, fazendo tudo o que o corpo deseja, não passaríamos de animais irracionais. Mas alguns podem argumentar que essa não é a intenção dos autores: talvez eles estivessem defendendo o direito das pessoas de escolher o que bem entenderem, de não se limitar a escolhas entre opções preconcebidas. Nesse caso, o problema ficaria maior ainda, pois a realidade nos coloca diariamente diante de tais escolhas, concordando ou não com elas. Na maioria das vezes, nós não temos outras escolhas além do preto e do branco, o que não nos tira a liberdade em escolhê-los. Apresentar-nos todas as cores do arco-íris não aumenta nossa liberdade de escolha, mas apenas o número de alternativas. A realidade é que esses adolescentes passarão por situações em que terão poucas e dolorosas escolhas a fazer. Serão esses os momentos em que provarão o máximo da liberdade.
Mano descobrindo a liberdade na mentira e na feiura. 

Um exemplo simples e que sempre se repete entre os jovens católicos é a defesa da castidade. O cristão sabe que deve ser casto e que, fora do matrimônio, a única forma de sê-lo é abster-se das relações sexuais e das ocasiões que podem provocar tais relações. Portanto, um católico só pode namorar se estiver certo que conseguirá combater pela santidade. O problema é que os desejos são, muitas vezes, opostos à virtude: os jovens se apaixonam. Imaginemos uma moça católica que se apaixona por um rapaz pagão, ou vice-versa. Ela sabe que namorar tal rapaz a levará fatalmente à fornicação, pois somente uma vida de muita oração do casal pode combater todo o bombardeamento de sexualidade que mundo nos apresenta. Essa garota acorda pensando nele, deseja estar com ele o tempo todo, seu coração bate mais forte só de lembrar do seu sorriso. No entanto, ela renúncia ao que mais deseja para viver uma juventude santa. Essa moça nunca foi tão livre, pois, por amor a Jesus Cristo, ela agiu de modo contrário aos seus sentimentos mais ardentes. Ela tinha duas opções: a santidade e o pecado, o preto e o branco. Mas isso é o oposto do que a professora Anísia ensina. A heroína diz que a liberdade é não precisar fazer a escolha. Ela defenderia que a jovem apaixonada somente seria livre caso se entregasse ao namorado que tanto deseja, se fosse escrava de seus sentimentos. A liberdade, para Anísia, é ser escravo e covarde. A liberdade, para o cristão, é ter a coragem de colocar a razão e o amor acima dos instinto e desejos. Chegamos, portanto, à outra virtude que nossa heroína ensina: a coragem.
Após picharem o muro da escola, Anísia, adulterando Vinícius de Morais, escreve no quadro: “Os cínicos que me perdoem, mas coragem é fundamental”. Notem no absurdo que é a adoção desse livro por uma escola. Ele ensina que é um ato corajoso a depredação do colégio. Ora, que eu saiba, a coragem é a virtude de fazer o bem, ainda que eu sofra pela minha decisão. Portanto, alguém que corre riscos para fazer o mal não é um corajoso, mas, na melhor das hipóteses, um sujeito que busca emoções para tentar, em vão, preencher uma vida sem sentido. 
Para completar o absurdo da inversão de valores, partimos para outro ensinamento da professora Anísia: “A verdade ganha mais com os erros de alguém que pensa por si, do que com as pessoas que repetem as ideias alheias porque não suportam a atividade do próprio pensamento”. Em outras palavras, ela afirma que uma mentira original vale mais que uma verdade repetida. Os autores querem convencer nossos filhos que aquilo que ensinamos a eles como verdade deve ser substituído por uma ideia que venha de suas próprias cabeças. Estão incutindo na mente de nossos filhos que eles não devem respeitar nossa autoridade de pais, mas, ao contrário, devem “pensar por si”. Todo ser humano pensa por meio de informações que já estão em suas memórias. Portanto, a verdade de uma ideia repousa na veracidade das informações com as quais raciocinamos e na correção da construção lógica de nossos pensamentos. É, portanto, a veracidade das premissas e a retidão dos passos lógicos que nos levam às conclusões verdadeiras. As crianças e os adolescentes, na maioria das vezes por falta de vivência e de estudo, não possuem premissas suficientes para raciocinar de modo a chegar a ideias novas e verdadeiras. Somos nós os responsáveis por dotar nossos filhos da matéria prima necessária para que eles possam usar sua razão de modo profícuo. Portanto, nós não podemos desprezar o conhecimento dos mais velhos, da tradição. Mas os livros que nossos filhos leem na escola ensinam o contrário, dizem que ouvir os pais, a Igreja, os mais velhos ou a quem quer que seja, é coisa de quem “não suporta a atividade do próprio pensamento”.
Apesar de não tratar diretamente de filosofia, o livro cita de forma muito elogiosa o existencialista Jean-Paul Sartre, o filósofo predileto do avô de Mano, um dos heróis da história. Sartre era um ateu militante e um dos maiores defensores do comunismo no mundo ocidental. Dizia-se pacifista e defendia genocídios. Um dos pilares de sua filosofia era a ideia de que a existência humana precede sua essência. Portanto, a essência do homem seria feita por ele mesmo, por seus atos. Esse raciocínio, apesar de obviamente absurdo, foi essencial para o movimento feminista e para o desenvolvimento da ideologia de gênero, que defende que o sexo biológico não determina a essência da pessoa como homem ou mulher, mas que o indivíduo, sob influência da sociedade, é que se faz homem, mulher ou o que ele bem entender. Não é uma mera coincidência que Sartre fosse amigado com Simone de Beauvoir, a grande precursora do feminismo. Os dois tinham um relacionamento aberto, viviam em poligamia, com vários casos paralelos. Talvez por isso o autor cita a separação dos pais de Mano como algo natural e até mesmo positivo, pois eles eram muito diferentes. A pergunta que nós pais temos que nos fazer é: são os valores de Jean-Paul Sartre que queremos passar aos nossos filhos? Pois são esses valores que as escolas, com raras exceções, tentam passar a eles.
Encontro de humanistas: Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Che Guevara, debatendo os meios pacíficos de assassinar crianças nos ventres de suas mães e fuzilar os adversários políticos. 


4. Apresentando as belas-artes aos adolescentes:

A história de “Mano descobre a liberdade” tem como pano de fundo as artes plásticas. Talvez essa fosse a salvação da obra. Ao menos nossos filhos aprenderiam um pouco sobre as belas-artes... ledo engano. Os misteriosos grafiteiros pintavam os muros com desenhos idênticos a Miró e Picasso. Se a arte desses dois artistas é tão especial, os autores do livro não deveriam afirmar que meros grafiteiros são capazes de reproduzir fielmente suas obras. Eles devem decidir se esses artistas espanhóis são gênios extraordinários ou meros pintores facilmente copiáveis.  As artes plásticas são um tema polêmico, pois poucas pessoas têm coragem de dizer ao rei que ele está nu. Por algum motivo, no início do século XX, a beleza parou de pautar a arte. Antes, dizíamos que um afresco era bonito, hoje dizemos que uns rabiscos feios e até mesmo causadores de repugnância são inspiradores, provocativos ou qualquer outro adjetivo que não seja a beleza.
Criatividade de Miró, um dos mais aclamados artistas do século XX

Platão, Aristóteles e a Academia de Atenas, afresco sem criatividade de um tal de Raffaello.

Além de Miró e Picasso, o Mano também é apresentado a outro criador de horrores aclamado como grande artista: o grafiteiro e novo milionário nova-iorquino Jean-Michel Basquiat. Sua obra é tão asquerosa que duvido que alguém teria coragem de pendurar um Basquiat em sua sala. Agora eu me pergunto: qual o problema desses autores em apresentar Caravaggio, Raffaello, Michelangelo, Leonardo da Vinci, Giotto e tantos outros aos seus leitores? Será que temem que após conhecerem algo verdadeiramente belo, os leitores passem a perceber que suas obras são indignas de frequentar a lata de lixo de suas casas?
 
Caravaggio, artista retrógrado.

Basquiat, gênio da arte contemporânea.

5.O que fazer?


Todas essas linhas foram escritas para apresentar um único exemplo pontual do veneno que as escolas têm sido para nossos filhos. Poderíamos citar vários outros. Desde que passamos a acompanhar mais de perto os estudos do Victor Hugo, não passamos uma semana sem ouvir algum absurdo que algum professor falou. Até discursos contra o matrimônio e a família nosso filho teve que ouvir de seus professores. Diante de tal calamidade, o que nós temos feito? Em próximos posts vamos mostrar um pouco de nossa experiência com a tentativa de salvar o Victor Hugo das más influências intelectuais, humanas e espirituais que ele recebe na escola. A boa notícia é que nem tudo são trevas. Há caminhos alternativos que vêm sendo trilhados por pessoas de muita coragem no Brasil.