Há algumas semanas o Victor Hugo
recebeu o resultado das provas do 3º Bimestre. Sua nota de matemática foi 8,8,
uma nota excelente, principalmente se levarmos em consideração que mais da
metade de sua turma teve nota inferior a 2,0 e que o pouco que ele errou foi por
pura distração. Ele disse que foi bem porque o ajudei a estudar, ainda que eu
não tenha feito nada demais, mas apenas ensinei a matéria de modo a fazê-lo
entender o que havia por traz dos números e prestei atenção nas dificuldades
que ele apresentava ao resolver os exercícios.
A matemática é uma linguagem e, como tal, deve ser usada para expressar a realidade, para simplificar processos mentais que seriam impossíveis sem a ajuda de abstrações. |
Como mencionamos em outro post, foram
40 minutos nos quais expliquei a matéria de um bimestre. O professor demorou
dois meses para superar essa matéria por um motivo simples: passava a maior
parte do tempo tentando controlar uma turma de 40 pré-adolescentes, uma missão
impossível, ainda mais nestes tempos em que qualquer alteração de voz é
considerada agressão. Não havia nada de muito complexo para aprender, mas
apenas equações com duas variáveis. O problema é que ele, assim como seus
colegas de sala, não sabia nem mesmo o que eram números, muito menos variáveis.
Ele tinha decorado algumas regras sem entender o que significavam. Percebi essa
deficiência quando notei que ele não entendia por que ao passar um número para
o outro lado da equação devemos inverter o sinal, mas quando se passa o
denominador de uma fração para o outro lado da equação como multiplicação, o
sinal permanece o mesmo. Da mesma forma, era claro que ele tinha decorado como
fazer o Mínimo Múltiplo Comum, mas não fazia ideia do que aquele macete
significava. Logo que percebi essa deficiência, tentei mostrar a ele que os
números não são símbolos vazios, mas são abstrações que só fazem sentido porque
podem representar algo real. Por exemplo, se digo que “x + 2 = 5”, ele deve
entender que esses números e letras devem representar algo real, qualquer coisa
que seja contável. Como ele gosta muito de agricultura, sugeri que pensasse os
números como litros de fertilizante. Logo que dei o exemplo, ele disparou a calcular quantos reais se gasta com fertilizantes em uma plantação de soja de
tantos hectares se forem necessários uma certa quantidade de litros por
hectare. Vejam como é importante a escolha de um bom exemplo! Rapidamente ele entendeu
que a variável “x” não era nada mais que um número desconhecido de litros de
fertilizante. Mas, se sabemos que ao adicionar 2 litros a esse número, ele dá
um total de 5 litros, então “x” só pode ser 3 litros. Assim ele pôde entender o
motivo real da necessidade de se inverter o sinal do número ao passá-lo para o
outro lado da equação. A partir de então, aumentei mais uma variável, inseri
frações e sistemas, sempre partindo de um exemplo prático.
O esforço e a paciência necessários ao estudo da matemática também preparam as crianças para os momentos da vida em que seus objetivos dependerão de muito suor e lágrimas. |
Logo depois de ensinar, deixei-o
resolvendo alguns exercícios. Quando voltei, verifiquei aqueles que ele tinha
errado e percebi imediatamente o que ele ainda não estava entendendo. Não só
pude eximir suas dúvidas específicas de matemática, como pude conhecê-lo melhor:
vi que não havia nele a menor disposição para tentar solucionar um problema que
ele tinha dúvidas se conseguiria resolver com êxito. Ele nem tentava solucionar
certos problemas e nem mesmo reconhecia que não sabia fazê-lo, mas justificava-se
dizendo que não tinha aprendido. Isso não é uma deficiência de matemática,
tampouco de aprendizado geral, mas uma deformidade de virtudes: impaciência
somada à covardia e ao orgulho, ou seja, não consegue passar alguns minutos
raciocinando, tem medo de errar e não aceita que não sabe. Depois de receber
essa iluminação por meio de simples exercícios de matemática, passamos a reparar
mais em suas atitudes e confirmamos a necessidade de trabalhar tais virtudes
nele. Obviamente conversamos com ele e
explicamos a importância dessas virtudes para a vida de um homem.
Esse é somente um exemplo de como o
ensino individualizado é muito mais eficiente. Imaginem se um professor
conseguiria detectar e sanar as dificuldades de cada um dos 40 alunos da turma,
quando ele nem mesmo é capaz de mantê-los em silêncio por 5 minutos? Muito mais
importante do que a eficiência instrutiva, estudar com os filhos permite aos
pais educá-los para as virtudes, pois também ali identificamos suas dificuldades morais e seus pecados
(sim, crianças e adolescentes pecam), o que nos permite ajudá-los. Notem que um despretensioso estudo de
matemática nos fez capaz de enxergar virtudes (paciência, coragem e
humildade) que precisavam ser melhor trabalhadas no Victor Hugo. As horas que nossos filhos passam com os
professores que nem sabemos quem são, que vida levam ou qual conduta moral
defendem e praticam são momentos que poderíamos aproveitar para conhecer e amar
mais nossos filhos.